sábado, 30 de março de 2024

Guerras sem fim – quem as promove e quem beneficia?

War is a drug, and [the media] have chosen to be the dealers. David Bromwich (2023)

If wars can be started by lies… peace can be started by truth. Julian Assange (2011)

The war is not meant to be won, it is meant to be continuous. George Orwell (in ‘1984’)

Este post surgiu como meio de expressar a minha estupefação e indignação perante a sucessão de conflitos armados, nomeadamente os da Ucrânia e de Gaza, e as narrativas concertadas usadas pelos governantes e media ocidentais – verdadeiros belicistas (‘warmongers’) – para justificar o seu apoio a uma das forças beligerantes (a Ucrânia, no primeiro caso, e Israel, no segundo), em vez de advogarem as vias diplomáticas de reconciliação. A minha indignação advém não só da hipocrisia gritante daquelas narrativas e da manipulação da opinião pública, mas também da forma como são ocultados os verdadeiros ganhadores das guerras perpétuas (‘forever wars’) – em particular, o chamado complexo militar-industrial (ver p.ex. aqui) – e de como estas distraem a generalidade das pessoas dos outros riscos existenciais prementes, como as catástrofes ambiental e social em curso (ver p.ex. artigos de David Bromwich e Tom Engelhardt que citarei mais adiante). Já tinha aflorado estes tópicos há um ano atrás neste post. Darei aqui ênfase ao papel dos EUA e seus aliados europeus na promoção da guerra, pois é nesse contexto socio-cultural que me insiro, no qual sempre ouvi apregoar a superioridade moral do Ocidente na defesa dos valores da paz, da liberdade e da democracia. É evidente que belicistas e ‘war profiteers’ existem noutras regiões do mundo, incluindo nas potências militares da Rússia e da China. No entanto, não pode haver  desculpa para o modo como os governantes ocidentais têm subvertido os seus alegados valores benévolos, instigando a guerra e manipulando as suas populações para justificar a hostilização, dominação e destruição de outros povos e territórios.


As extensas e acaloradas discussões nos media e redes sociais sobre geopolítica (assunto em que parece haver cada vez mais gente versada…) e sobre quem são ‘os bons’ e ‘os maus’, os anjos e os diabos, nos conflitos em curso, são na sua generalidade superficiais, maniqueístas ou demagógicas e constituem muitas vezes um impedimento para uma verdadeira elucidação das suas causas profundas (em particular, através da contextualização histórica) e para revelar a identidade daqueles que os promovem e que deles lucram. Felizmente, existem diversos sites ou media digitais independentes anglófonos que me têm permitido aceder a leituras mais heterodoxas e críticas, como p.ex. Rising/The Hill, The Grayzone, Countercurrents, Counterpunch, Real News Network, Real Left, Other News, Jacobin, TomDispatch, Glen Greenwald, Kim Iversen, Katie Halper, Caitlin Johnstone, entre outros.


A história do aproveitamento pelos EUA (e seus aliados) dos conflitos internacionais para fortalecer a sua posição geoestratégica e para alimentar a sua economia e a sua indústria de armamento, por via do complexo militar-industrial, é infelizmente já longa e anterior aos conflitos actuais. E tem sido documentada e elucidada por diversos jornalistas, investigadores e até militares ou políticos – menciono apenas os livros de Norman SolomonWar made easy” (2005) e “War made invisible” (2023), os livros de William BlumFreeing the World to Death” (2004) e “Rogue State” (2005), o livro de William D. HartungProphets of War: Lockheed Martin and the Making of the Military-Industrial Complex” (2012) e o livro de Tom EngelhardtA Nation Unmade by War” (2018). Nestes livros, os seus autores denunciam não só o conluio entre políticos norte-americanos e os interesses das indústrias militares e de armamento, mas também o lobbying por estas empresas, assim como o papel dos media dominantes na disseminação concertada das narrativas oficiais sobre os conflitos em que os EUA (e países aliados da NATO) estiveram directa ou indirectamente envolvidos (Iraque, Afeganistão, Yemen, Síria, etc.), muitas vezes sem qualquer contraditório ou reflexão crítica. A principal consequência desta atitude e deste modus operandi é um mundo cada vez mais caótico e inseguro, e mais próximo de um conflito generalizado – como afirmou aliás o secretário-geral das Nações Unidas o mês passado, alertando para o facto de o mundo estar a entrar numa “era de caos” e denunciando um Conselho de Segurança incapaz de agir perante a catástrofe humanitária em Gaza (ver aqui ou aqui). A outra consequência é a infantilização e balcanização da opinião pública, submetida a narrativas simplistas e maniqueístas que estreitam a compreensão da complexidade dos contextos históricos e promovem uma amnésia colectiva que requer apenas uma adesão ao lado dos justos e virtuosos, defensores dos valores ocidentais da liberdade e democracia.


O envolvimento dos principais media internacionais na disseminação de informação parcial e na manipulação da opinião pública de forma concertada é do conhecimento público desde a guerra do Vietnam e, mais recentemente, no caso da guerra do Iraque e da promoção da narrativa das ‘armas de destruição maciça’, que afinal não existiam, mas levaram ao arrastar de um conflito que envolveu a presença militar dos EUA durante quase nove anos (2003-2011), com a morte de cerca de 185000 civis iraquianos e o desalojamento de outros dois milhões, para além da morte de 4500 militares norte-americanos - ver p.ex. aqui e também os livros de Norman Solomon citados acima.


Um jornalista que questionou e denunciou a manipulação da opinião pública mundial pelos chamados ‘neocons’ (abreviatura de neo-conservadores, ver p.ex. aqui), com o apoio crucial dos media dominantes ocidentais, foi o repórter e documentarista veterano australiano John Pilger (falecido em Dezembro de 2023), em particular no seu documentário de 2010 “The war you don’t see” - ver também esta retrospectiva recente da sua carreira. Pilger foi um crítico feroz do expansionismo imperialista norte-americano e um activista pelos direitos humanos e pelo jornalismo livre, e denunciou mais recentemente o papel dos EUA e dos media por si controlados na manipulação da opinião pública mundial em relação à guerra na Ucrânia, assim como na hostilização da China por via de Taiwan – ver esta entrevista conduzida por Katie Halper ou esta outra entrevista ao South China Morning Post, ambas de 2023. Neste excerto da entrevista a Katie Halper, Pilger fornece algumas pistas para reconhecer e desconstruir as tácticas propagandísticas mais usadas pelos media, nomeadamente a descontextualização histórica e a mentira descarada. Também a jornalista australiana Caitlin Johnstone tem feito um trabalho notável de análise crítica das narrativas dominantes sobre os conflitos recentes na Ucrânia e em Gaza (aqui e aqui). Destaco este post de 2023 onde caracteriza e desconstrói as estratégias de propaganda mediática na promoção das narrativas do poder, na normalização da insensatez, da injustiça e da guerra, e na indução da aquiescência e da passividade na opinião pública. Excertos: “Propaganda is administered in western nations, by western nations, across the political spectrum — and the really blatant and well-known examples of its existence make up only a small sliver of the propaganda that our civilization is continuously marinating in. (…) it excludes voices that are critical of the established status quo from being heard and influencing people, it amplifies voices (many of whom have packing foam for brains) which support the status quo, and, most importantly, it creates the illusion that the range of political opinions presented are the only reasonable political opinions to have.”


Um outro jornalista australiano, Julian Assange, o conhecido fundador do site ‘WikiLeaks’, teve também um papel-chave na exposição das atrocidades norte-americanas no Iraque e no Afeganistão – ver p.ex. aqui -, que levou os EUA a lançar um mandato de captura internacional e pedido de extradição em 2010, a que se seguiu o seu asilo na embaixada do Equador durante 7 anos, a sua detenção e encarceramento pelas autoridades britânicas em 2019 e o subsequente processo judicial que se arrasta desde então nos tribunais britânicos e que se aproxima agora de um desfecho (ainda incerto) – ver p.ex. aqui ou aqui. Como afirma Chris Hedges neste último artigo, a provação de Assange é uma vingança contra o exercício do jornalismo livre e contra a denúncia de crimes de Estado: “Erase Julian from the public consciousness. Demonize him. Criminalize those who expose government crimes. Use Julian’s slow motion crucifixion to warn journalists that no matter their nationality, no matter where they live, they can be kidnapped and extradited to the U.S. Drag out the judicial lynching for years until Julian, already in a precarious physical and mental condition, disintegrates.” O facto dos media dominantes terem abandonado Assange e deixado de cobrir as evoluções recentes do seu caso, é também uma retaliação pelas duras acusações que ele dirigiu ao jornalismo ‘mainstream’ em 2011, quando afirmou: “Let us ask ourselves of the complicit media, which is the majority of the mainstream press, what is the average death count attributed to each journalist? When we understand that wars come about as a result of lies peddled to the British public and the American public and the publics all over Europe and other countries then who are the war criminals? «Journalists Are War Criminals!» It is not just leaders, it is not just soldiers, it is journalists; journalists are war criminals. And while one might think that that should lead us to a state of despair, that the reality that is constructed around us is constructed by liars, is constructed by people who are close to those that they are meant to be policing, it should lead us also to an optimistic understanding because if wars can be started by lies, truth can be started, peace can be started by truth. So that is our task and it is your task, go and get the truth, get into the ballpark and get the ball and give it to us and we’ll spread it all over the world.(citação retirada daqui).


No que se refere à invasão russa da Ucrânia em Fevereiro de 2022 e a guerra que persiste desde então – na realidade, uma guerra por procuração entre os EUA/NATO e a Rússia -, é importante lembrar as narrativas usadas pelos media ocidentais que insistiram que se tratou de um ataque não-provocado, perpetrado pelo criminoso e diabólico Vladimir Putin. Quaisquer tentativas de contextualizar historicamente o conflito, destacar a expansão da NATO para leste, realçar as divisões internas na Ucrânia, ou questionar as facções neo-nazis do exército ucraniano ou as posturas autoritárias do presidente Zelensky, foram quase sempre descartadas ou descredibilizadas como argumentação pró-russa ou com acusações de ‘putinismo’. Caitlin Johnstone denunciou a forma drástica e despudorada como a narrativa mediática sobre a Ucrânia mudou para servir os objectivos dos EUA/NATO num artigo de 2023. Por outro lado, o apoio financeiro e militar do ocidente à Ucrânia (que, no caso dos EUA, já durava desde 2014) foi justificado como sendo uma forma de defender a democracia e a liberdade na Europa (os famigerados ‘valores ocidentais’) contra o autoritarismo e expansionismo do tirano Putin, que quereria alegadamente restaurar o Império Russo (ou a União Soviética). Não irei aqui entrar em detalhes, mas recomendo a leitura de alguns textos que desmontam as falácias e apresentam argumentações fundamentadas e detalhadas: artigo de fundo de Kristin Christman (“independent researcher on US foreign policy and peace”) que faz uma análise do documento “Project for the New American Century (PNAC) - Rebuilding America’s Defenses: Strategy, Forces and Resources for a New Century” escrito em 2000 e compara as declaradas ambições belicistas e expansionistas dos EUA nele expressas com textos de Putin que têm sido usados para alegar as suas ambições imperiais; artigo de opinião de Viriato Soromenho Marques que invoca o documento da Rand Corporation “Extending Russia - Competing from Advantageous Ground”, publicado em 2019, para demonstrar que as intenções dos EUA de usar a Ucrânia como peão contra a Rússia já estavam definidas muitos antes da invasão russa de 2022; no mesmo artigo, Soromenho Marques acusa ainda a Europa de colapso moral e de rendição face aos interesses norte-americanos: “(…) lançar a mentira incendiária de que a Rússia quer atacar a NATO é criminoso. Putin sabe que isso desencadearia uma autodestruição generalizada. Esta guerra, além de ter enterrado o Pacto Ecológico Europeu, significou uma total subordinação europeia aos interesses do complexo militar-industrial e energético que governa os EUA. O europeísmo foi engolido pela máquina trituradora do belicismo”; já anteriormente Soromenho Marques tinha denunciado, quer a hipocrisia ocidental na sua tentativa de descontextualização do conflito (aqui), quer os riscos anunciados do alargamento da NATO para os países do Leste europeu (aqui); artigo de opinião de David Bromwich onde o autor denuncia o papel dos EUA na instigação da guerra na Ucrânia e o apoio servil dos media na promoção da sua agenda, onde cita um artigo de Gorbachev de 2018 em que este afirma: “The United States has in effect taken the initiative in destroying the entire system of international treaties and accords that served as the underlying foundation for peace and security following World War II.”


Quanto ao ataque do Hamas em Outubro de 2023 e a subsequente ofensiva devastadora de Israel contra Gaza e os palestinos, a hipocrisia do ocidente, e, em particular, dos EUA, para justificar o seu apoio a Israel foi ainda mais chocante e deplorável. A argumentação que havia sido usada para condenar a ofensiva russa na Ucrânia e a crueldade de Putin deixou de ser válida para criticar a reacção desproporcional de Israel e a obstinação vingativa e criminosa de Netanyahu e do seu governo de direita fanática e radical. Com a agravante de terem tentado branquear as décadas de atrocidades de Israel contra o povo palestino (ver p.ex. aqui), que já tinha transformado a Faixa de Gaza numa prisão a céu aberto – ver p.ex. aqui ou aqui. Também neste caso houve conluio dos media dominantes ao tentarem descontextualizar o ataque do Hamas, adjectivando-o de “unprovoked terrorist attack” ou “Israel’s 9/11”, ao descreverem a ofensiva israelita como “Israel’s self-defense retaliation” ou ao terem usado a acusação de anti-semitismo para tentar desacreditar e demonizar quaisquer críticas ou manifestações públicas contra Israel – ver p.ex. aqui (Alexandra Lucas Coelho) ou aqui (Robert Falk). Felizmente, a opinião pública de muitos países ocidentais não se deixou intimidar e tem continuado a manifestar o seu repúdio pelas atrocidades de Israel sobre os habitantes de Gaza, no que foi acompanhada por grande parte comunidade internacional que acusa Israel de genocídio (ONU e Tribunal Penal Internacional). Recomendo a leitura dos seguintes artigos que descrevem o massacre em curso e denunciam a hipocrisia dos EUA e seus aliados europeus: dos autores anglófonos Binoy Kampark (aqui), Jonathan Cook (aqui), Chris Hedges (aqui e aqui), Justin Podur (aqui), bem como dos portugueses Pedro Levi Bismarck (aqui) e Viriato Soromenho Marques (aqui). Destaco apenas o parágrafo final do texto de Kampark: “As the battle rages, Israeli politicians can reflect on some common ground with their counterparts in the United States who fund them well. Both have endeavoured to embrace models of existence that caricature peace even as they ennoble the conditions of war. The United States and Israel share that same tendency that had defined their power for decades: the conditions of peace are always underwritten by a permanent, warlike impetus. The expression from historian Charles Beard, expressed in 1947, never seems to date: «perpetual war for perpetual peace.»” Num artigo mais recente, Andrés Piqueras desconstrói o equivocado ‘sentimento de culpa’ do governo alemão, que continua a dar o seu apoio incondicional a Israel e a hostilizar a Rússia.


Não sou ‘líder político’, nem especialista em diplomacia ou geopolítica, mas proporia que o Ocidente se deixasse de hipocrisias de uma vez por todas e passasse a ser coerente na sua (alegada) defesa dos direitos humanos, da democracia(?) e da autodeterminação, apelando à negociação e não à escalada da guerra usando argumentos falaciosos (o que é válido também para a guerra na Ucrânia); que sancionasse o estado de Israel pelas suas atrocidades e incumprimento do Direito Internacional e das resoluções da ONU; e que acabasse com o financiamento e apoio às guerras perpétuas (e às indústrias de armamento)! Tenho noção da complexidade da situação e dos ressentimentos mútuos entre israelitas e palestinos, mas se o Ocidente quisesse realmente a paz e não fosse conivente com os interesses políticos e financeiros dos judeus sionistas, as coisas podiam talvez ser diferentes e o massacre não teria durado tanto tempo, nem custado tantas vidas civis e tanta destruição.


Mas claro que há uma questão fulcral que ainda não abordei e que é a de saber afinal quem lucra com estas guerras. Cui bono? A velha máxima ‘follow the money’ creio que fornece as pistas que faltavam. Podemos começar por constatar que os EUA têm não só o maior número de bases militares espalhadas pelo mundo (entre 600 e 900, conforme as fontes) como têm o maior orçamento militar de qualquer país (em 2022 as despesas militares dos EUA foram 40% do total mundial, seguidas das da China com 13%) – ver pex. aqui, aqui ou aqui. Por outro lado, os EUA são o maior exportador de armamento do mundo – ver p.ex. este artigo de William Hartung baseado na análise do relatório anual do ‘Stockholm International Peace Research Institute’. Em dois artigos mais recentes (aqui e aqui) e no seu livro “Prophets of War” (citado acima), Hartung revela como o complexo militar-industrial norte-americano é, na verdade, o grande ganhador das guerras que tiveram o envolvimento militar dos EUA, com apoio quer de Republicanos, quer de Democratas, no desbloqueamento do necessário financiamento. De facto, as principais receitas de empresas como a Lockeed-Martin, Raytheon (RTX), Boeing, Northrop-Grumman e General Dynamics, provêm do Pentágono – ver p.ex. aqui. Num artigo para o New York Times em 2023, Eric Lipton fez um resumo da forma como a indústria de armamento norte-americana tem lucrado com as sucessivas intervenções dos EUA no Médio Oriente (Iraque, Afeganistão), assim como com os conflitos mais recentes na Ucrânia e em Gaza. Transcrevo um excerto: “The conflict between Israel and Hamas is just the latest impetus behind a boom in international arms sales that is bolstering profits and weapons-making capacity among American suppliers. The surge in sales is providing the Biden administration with new opportunities to tie the militaries of other countries more closely to the United States, the world’s biggest arms exporter, while also raising concerns that a more heavily armed world will be prone to careen into further wars. Even before Israel responded to the deadly Hamas attack, the combination of Russia’s invasion of Ukraine and the perception of a rising threat from China was spurring a global rush to purchase fighter planes, missiles, tanks, artillery, munitions and other lethal equipment. The surge in sales is also being driven by the rapid pace of technological change in warfighting, pressuring even well-armed nations to buy new generations of equipment to stay competitive. The push to supply more weapons to Israel comes as American military contractors are already struggling to keep up with demand to resupply Ukraine in its war against Russia and help other U.S. allies in Europe like Poland bolster their own defenses. Billions of dollars in orders are pending from allies in Asia, driven by the perception of a rising threat from China.A mesma tese foi defendida por Chris Rea num artigo mais recente onde denuncia o belicismo do ministro da defesa do Reino Unido, o principal e mais fiel aliado dos EUA. Para além do livro de William Hartung (“Prophets of War”), focado nos EUA e citado acima, recomendo ainda o livro Shadow World” (2011) do jornalista Andrew Feinstein sobre o negócio mundial do armamento e a corrupção dos políticos que promovem a guerra – é também possível visionar o documentário de 2016 com o mesmo nome e baseado nesse mesmo livro.


A hipocrisia dos sucessivos governos norte-americanos (presididos quer por Obama, Trump ou Biden) sobre a suposta selectividade nas vendas de armas pelos EUA, que alegadamente cumpririam a função de lutar contra as autocracias e promover a paz no mundo, é liminarmente desmascarada ao analisar os destinatários do armamento fornecido, que incluem regimes autoritários como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos – ver p.ex. aqui ou aqui. No caso do conflito na Ucrânia, uma outra justificação para o apoio financeiro fornecido àquele país nem sequer é disfarçada publicamente – segundo declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano (aqui) e da ex-Subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, Victoria Nuland (aqui), a ajuda militar dos EUA seria “boa para economia americana” e para os trabalhadores das empresas de armamento! Só não revelaram que a principal fatia dos lucros fica na verdade para os administradores e accionistas daquelas empresas, enquanto o custo humano conta-se em vidas perdidas e na devastação de territórios– ver p.ex. aqui ou aqui. Convém ainda não esquecer que os territórios e infraestruturas destruídos pela guerra terão de ser reconstruídos e esse esforço envolverá necessariamente investimentos avultados. No caso da Ucrânia, o seu actual presidente apressou-se a convidar para esse serviço as gigantes multinacionais norte-americanas de gestão de investimentos, como a BlackRock, JP Morgan e Goldman Sachs, afirmando que a reconstrução da Ucrânia será uma grande oportunidade de negócio: “the largest economic project of our time in Europe” (sic) ou “land of surprising opportunity”– ver p.ex. aqui ou aqui.


Mas não são apenas as empresas de armamento e fundos de investimento que ganham (ou virão a ganhar) com a guerra; já em 2023, as empresas multinacionais do sector energético tinham registado lucros recorde, a reboque do conflito na Ucrânia – ver p.ex. aqui, aqui ou aqui.


Quanto ao belicismo norte-americano e à sua postura imperialista (patentes também nos documentos da Rand Corporation e PNAC, já citados), não podiam ser melhor ilustrados do que nas palavras do presidente Joe Biden no seu discurso à nação a 19 de Outubro de 2023, em que afirmou: “American leadership is what holds the world together; American Alliances is what keep us Americans safe; American values are what make us a partner that other nations want to work with; to put all that at risk if we walk away from Ukraine, if we turn our backs on Israel, it's just not worth it...” ou Just as in World War II, today patriotic American workers are building the arsenal of democracy and serving the cause of freedom.” (invocando a expressão ‘arsenal of democracy’ usada pelo presidente Roosevelt durante a 2ª Grande Guerra, a qual já tinha invocado para descrever as vacinas Covid produzidas nos EUA).


Para ilustrar a questão do desvio da atenção em relação à catástrofe ambiental, recorro a artigos de dois autores norte-americanos. Num texto que citei anteriormente (‘Living on a war planet and managing not to notice’), David Bromwich relembra o papel das guerras na destruição ambiental para enfatizar a irresponsabilidade e malignidade de quem as promove. O autor escreve: “A new war, a new alibi. When we think about our latest war — the one that began with the Russian invasion of Ukraine, just six months after our Afghan War ended so catastrophically — there is a hidden benefit. As long as American minds are on Ukraine, we are not thinking about planetary climate disruption. This technique of distraction obeys the familiar mechanism that psychologists have called displacement. An apparently new thought and feeling becomes the substitute for harder thoughts and feelings you very much want to avoid. Every news story about Ukrainian President Volodymyr Zelensky’s latest demand for American or European weaponry also serves another function: the displacement of a story about, say, the Canadian fires which this summer destroyed a forest wilderness the size of the state of Alabama and 1,000 of which are still burning as this article goes to press.” Bromwich denuncia também a hipocrisia da alegação de que a causa climática seria beneficiada pela corte da dependência da importação de gás e petróleo russo, relembrando: “That theory got tested a year ago, with the underwater sabotage of Russia’s Nordstream natural gas pipelines in the Baltic Sea. (…) As of late summer, all reporting on the Nordstream disaster seems to have stopped. (…) The Nordstream wreck was only one attention-getting catastrophe within the greater horror that a war always is. An act of industrial sabotage on a vast scale, it was also an act of environmental terrorism, causing the largest methane leak in the history of the planet.” E conclui assim: “the lesson for the United States should be simple enough: the survival of the planet cannot wait for the world’s last superpower to complete our endless business of war.” Outro autor que tem escrito sobre este tema é Tom Engelhardt, p.ex. em “Are We the Dinosaurs of the 21st Century? And How Our Wars Distract Us”, onde afirma: “At a moment when peace couldn’t be more needed so that we could focus on our imperiled future, war (and the threat of ever more of it) seems once again to be what we’re all too willing to put at the very heart of things, including of our news reports.” E reforça: “humanity is now making war on itself, using fossil fuels as its slow-motion weapon of long-term atmospheric devastation, while distracting itself with more localized wars on this planet. And thanks to that, it has no longer become totally absurd to talk about our possible extinction. In a sense, you might say that, with our own special form of brilliance, humanity has managed to create both a devastatingly fast and a spectacularly slow way of doing ourselves (and so much else) in. I’m talking, of course, about those nuclear weapons and climate change. And thanks at least in part to our inability to stop fighting wars among ourselves, we seem to be ensuring that climate change won’t be the full-scale focus of our attention as it should be.”


Finalmente, tenho de confessar a minha profunda consternação em relação à completa decadência e descredibilização dos líderes políticos europeus e ao afastamento total dos tão apregoados ‘valores ocidentais’ – tal como Viriato Soromenho Marques resumiu cabalmente no seu artigo desencantado “A Ocidente, uma desolada paisagem” (já citado anteriormente). Ainda mais chocante tem sido a constatação da desfaçatez com que esses mesmos líderes anunciam agora uma nova escalada do conflito com a Rússia, como se fosse algo inevitável e para o qual os cidadãos europeus se devem preparar – ver p.ex. o artigo recente do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, ou o artigo de opinião do ex-Ministro da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira. Chris Rea denuncia essa mesma atitude bélica por parte do governo britânico, num artigo já citado acima, no qual apela também à construção de um novo movimento anti-guerra. A cedência e servilismo dos líderes europeus aos interesses norte-americanos por via da NATO estão a colocar a Europa à beira de uma guerra com a Rússia, como denuncia a jornalista Abby Martin neste vídeo recente para a revista Jacobin. Não posso ainda deixar de repudiar o apoio de jornais de referência como o Público na promoção desta agenda sociopata, como se pode constatar num recente podcast com o título elucidativo “Como se prepara a opinião pública para o regresso da guerra à Europa?”, onde participa a jornalista veterana Teresa de Sousa, uma apoiante fanática do imperialismo norte-americano e do servilismo europeu. Constata-se pois que os media continuam, lamentavelmente, a desempenhar o papel de apologistas das guerras ‘justas’, ‘inadiáveis’ e ‘inevitáveis’, tocando os tambores da guerra para captar audiências e angariar financiamentos publicitários, vendendo mentiras e promovendo cobardemente as narrativas das elites no poder. Faço ainda notar os óbvios paralelismos nas estratégias usadas para manipular a opinião pública no caso dos dois conflitos recentes: a descontextualização histórica (o 1º teria começado a 22 Fev 2022 e o 2º a 7 Out 2023), a demonização dos alegados agressores (Putin ou Hamas) e a descredibilização das vozes discordantes (como 'putinistas' ou anti-semitas). É por tudo isto - líderes belicistas e media coniventes -  que estamos novamente à beira de um conflito mundial, com a agravante de terem sido ressuscitados os espectros do holocausto nuclear e da Guerra Fria.


Concluo invocando novamente as palavras premonitórias de Julian Assange em 2011: “The goal is an endless war not a successful war. (…) we have to prevent it becoming normal for there to be a constant War. Very soon within the next few years it will become the normal for there to be a constant war in the West. People will reach maturity and adulthood under the understanding that there is always a war and at that point war will not be something that is unusual or surprising or horrifying, war will become The New Normal.” Proponho ainda, para terminar num tom menos desesperançado, a leitura de dois apelos à paz (em prosa) – o primeiro de Kristin Christman (“Paradigm for peace applied to Russia, Ukraine and the US: Proposal for a peaceful pathway forward”) e o segundo de Bahrat Dogra (“The urgent need for a Peace Movement”) - e um terceiro em forma de poema, da autoria de Robert Cable (“Make all wars cease
”), do qual transcrevo algumas estrofes: “May war in Gaza and Ukraine be unreal dream! / May all wars everywhere be anatheme! / I pray this prayer today with all my heart. / May all wars end and no more ever start.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

A alucinação colectiva da IA (2)

Nota: a 1ª parte deste post encontra-se aqui.

Um primeiro aspecto que alguns destes autores questionam é o próprio uso da palavra ‘inteligência’ no contexto destas ferramentas computacionais. O cientista informático e músico norte-americano Jaron Lanier alerta (em ‘There is no AI’) para os equívocos em volta do termo ‘IA’, que considera enganoso: “A posição mais pragmática é pensar na IA como uma ferramenta, não como uma ‘criatura’. Esta minha atitude não elimina a existência de perigos: independentemente da nossa abordagem, podemos de facto conceber e operar mal a nossa nova tecnologia, de formas que nos podem prejudicar ou mesmo levar à nossa extinção. Mitologizar a tecnologia apenas aumenta a probabilidade de não conseguirmos operá-la bem – e este tipo de pensamento limita a nossa imaginação, ligando-a aos sonhos do passado. Podemos trabalhar melhor partindo do pressuposto de que IA é algo que não existe. Quanto mais cedo compreendermos isto, mais cedo começaremos a gerir a nossa nova tecnologia de forma inteligente.” Lanier prefere ver a IA como uma forma de colaboração social entre seres humanos e máquinas: “Encarar a IA como uma forma de trabalhar em conjunto, e não como uma tecnologia para criar seres independentes e inteligentes, pode torná-la menos misteriosa (…) Mas isso é bom, porque o mistério só aumenta a probabilidade de má gestão.” Já o médico e cientista brasileiro Miguel Nicolelis afirma (numa entrevista) que: “A inteligência é algo restrito aos organismos porque ela é uma propriedade emergente da interação de seres vivos com o seu ambiente. A inteligência resulta no processo de seleção natural, é a forma pela qual os organismos conseguem sobreviver às vicissitudes de um ambiente em contínua modificação (…) O termo inteligência é inapropriado [para] os sistemas computacionais porque eles não preenchem a definição clássica de inteligência (…) E ela não é artificial porque ela é criada por seres humanos, ela não vem do nada, não cai do céu. A inteligência que existe nessa área é a inteligência dos programadores e das pessoas que geram esses sistemas”. Nicolelis vaticina ainda que: “O ChatGPT vai ter uma morte tão rápida quanto ele teve de subida. Todos esses sistemas são movidos a hype e a marketing”. Por seu lado, o artista e escritor britânico James Bridle, que também defende que a inteligência é uma característica dos sistemas vivos e o termo não devia ser usado no contexto da IA, escreve (em ‘The stupidity of AI’) acerca do ChatGPT: “É muito bom a produzir o que parece fazer sentido e, melhor ainda, a produzir clichés e banalidades, que compõem a maior parte da sua dieta, mas permanece incapaz de se relacionar de forma significativa com o mundo real. (…) A crença neste tipo de IA como realmente inteligente ou relevante é efectivamente perigosa. Corre o risco de contaminar a nossa fonte de pensamento colectivo e a nossa capacidade de pensar. (…) Colocar toda a nossa confiança nos sonhos de máquinas mal programadas seria abandonar a nossa capacidade como indivíduos de pesquisar e avaliar criticamente o conhecimento por nós próprios. (…) É difícil pensar em algo mais estúpido do que a inteligência artificial, tal como é praticada na era atual: (…) poderosa tecnologia de classificação e comunicação de informações que nos explora, nos usa indevidamente, nos engana e nos suplanta.” Sobre a diferença entre os actuais desenvolvimentos da IA e os sistemas computacionais rudimentares, Bridle escreve: “As primeiras IAs não sabiam muito sobre o mundo e os departamentos académicos não tinham o poder computacional para explorá-las em grande escala. A diferença hoje não é inteligência, mas sim dados e o poder. As grandes empresas tecnológicas passaram 20 anos a recolher grandes quantidades de dados da cultura e da vida quotidiana e a construir centros de processamento vastos e ávidos de energia, cheios de computadores cada vez mais potentes para os processar.” Bridle alerta ainda para as diferenças entre os sistemas de IA e a inteligência humana: “Não podemos perscrutar os seus processos de tomada de decisão porque a forma como estas redes neuronais ‘pensam’ é inerentemente desumana. É o produto de uma ordenação matemática incrivelmente complexa do mundo, em oposição à forma histórica e emocional como os humanos ordenam o seu pensamento.


Lanier em conjunto com Glen Weyl, assim como o académico Leif Weatherby, destacam outro aspecto relevante: a IA não é uma mera ferramenta tecnológica neutra, mas é de facto uma poderosa ferramenta ideológica e cultural. Lanier e Weyl escrevem (em ‘AI is an Ideology, Not a Technology’): “A IA é melhor entendida como uma ideologia política e social e não como um conjunto de algoritmos. O cerne da ideologia é que um conjunto de tecnologias, concebido por uma pequena elite técnica, pode e deve tornar-se autónomo e eventualmente substituir, em vez de complementar, não apenas os seres humanos individuais, mas grande parte da humanidade. Dado que qualquer substituição deste tipo é uma miragem, esta ideologia tem fortes ressonâncias com outras ideologias históricas, como a tecnocracia e as formas de socialismo baseadas no planeamento central, que consideravam desejável ou inevitável a substituição da maior parte do julgamento/agência humana por sistemas criados por uma pequena elite técnica.” Por seu lado, Weatherby (em ‘O ChatGPT é uma máquina de ideologia’) alerta para a natureza do processamento de informação (modelos estatísticos de agregação de dados) pelos ‘chatbots’ que os torna veículos de ideologia: “os sistemas GPT, porque automatizam uma função muito próxima do nossa noção do que significa ser humano, podem produzir mudanças na própria forma como pensamos sobre as coisas. O controlo sobre a forma como pensamos sobre as coisas chama-se ‘ideologia’, e os sistemas de GPT envolvem-na direta e quantitativamente de uma forma sem precedentes.”


Um outro aspecto que é enfatizado, quer por Naomi Klein, quer por James Bridle, mas também no documentário da VPRO citado acima, é o carácter extractivista dos sistemas de IA, num contexto económico que privilegia o poder e a riqueza hiperconcentrados e que tem como objectivo a maximização do lucro e não o bem comum. Klein escreve: “Existe um mundo em que a IA generativa, como uma poderosa ferramenta de pesquisa preditiva e executora de tarefas entediantes, poderia, de facto, ser organizada para beneficiar a humanidade, as outras espécies e a nossa casa comum. Mas, para isso acontecer, essas tecnologias teriam de ser implantadas dentro de uma ordem económica e social muito diferente da nossa, que tivesse como propósito atender às necessidades humanas e proteger os sistemas planetários que sustentam toda a vida.” Sobre as promessas fantasiosas em relação às façanhas futuras da IA (que apelida de alucinações utópicas), Klein afirma: “são as histórias de capa poderosas e atraentes para o que pode vir a ser o maior e mais importante roubo da história da humanidade. Porque o que estamos a testemunhar são as empresas mais ricas da história (Microsoft, Apple, Google, Meta, Amazon …) a apoderar-se unilateralmente da soma total do conhecimento humano que existe em formato digital, na internet, e a capturá-la dentro de produtos privados, muitas vezes visando diretamente os humanos cuja vida inteira de trabalho serviu para treinar as máquinas sem que para tal fosse dada qualquer permissão ou consentimento.” E conclui: “aquilo que aconteceu com o exterior das nossas casas [por via do Google Street View] está a acontecer com as nossas palavras, as nossas imagens, as nossas músicas, toda a nossa vida digital. Todos estão a ser capturados e usados para treinar as máquinas para simular o pensamento e a criatividade.” Por seu lado, James Bridle escreve: “Todo o tipo de IA disponível publicamente, quer funcione com imagens ou palavras, (…) baseia-se nesta apropriação generalizada da cultura existente, cujo âmbito mal podemos compreender. (…) longe de serem criações mágicas e inovadoras de máquinas brilhantes, os resultados deste tipo de IA dependem inteiramente do trabalho não creditado e não remunerado de gerações de artistas humanos. A geração de imagens e textos por IA é pura acumulação primitiva: expropriação de mão-de-obra de muitos para o enriquecimento e avanço de algumas empresas tecnológicas de Silicon Valley e dos seus proprietários bilionários.” O documentário 'The cost of AI' (VPRO) destaca a dependência energética dos servidores de processamento de dados e mostra ainda a exploração dos trabalhadores de países do Sul global que são contratados para fazer a triagem de dados pelas empresas que desenvolvem sistemas de IA.


Em ‘AI and the threat of «human extinction»’ o filósofo e historiador norte-americano Émile P. Torres alerta para outra faceta preocupante do rápido desenvolvimento de sistemas de IA: a promoção da visão de mundo tecno-utópica dos (alucinados) trans-humanistas. De facto, Torres reconhece o risco existencial da IA se virar contra os seus criadores mas alerta para o facto de que, para muitos especialistas que professam as premissas do trans-humanismo, o mal que viria para a humanidade seria a impossibilidade de realização do seu verdadeiro potencial tecno-utópico e de expansão extraplanetária: “Trans-humanistas proeminentes sugerem que o fracasso na criação de uma nova espécie pós-humana seria uma enorme tragédia moral, uma vez que significaria que não conseguiríamos cumprir o nosso grande ‘potencial’ cósmico no universo.Os trans-humanistas vêem a natureza humana como um projecto em curso, em que os seres humanos podem ser melhorados e aperfeiçoados graças a várias tecnologias (biotecnologia, nanotecnologia e tecnologias digitais). Para eles a humanidade actual não é o ponto final da evolução e esperam que, através do uso responsável da ciência, da tecnologia e de outros meios racionais, nos conseguiremos eventualmente tornar pós-humanos, seres com capacidades muito maiores do que os actuais (e imperfeitos) Homo sapiens. Alguns trans-humanistas, como William MacAskill (autor de What We Owe the Future), chegam mesmo a sugerir que a nossa destruição do mundo natural pode na verdade ser positiva, o que aponta para uma questão mais ampla sobre se a vida biológica em geral - e não apenas o Homo sapiens em particular - tem algum lugar no futuro ‘utópico’ do trans-humanismo. Isto sim, parece-me uma verdadeira alucinação! Torres resume assim a visão trans-humanista: “no seu cerne está uma visão tecno-utópica do futuro em que reprojetamos a humanidade, colonizamos o espaço, saqueamos o cosmos e estabelecemos uma civilização intergaláctica em expansão, cheia de trilhões e trilhões de pessoas "felizes", quase todas elas "vivendo" dentro de enormes simulações de computador. No processo, todos os nossos problemas serão resolvidos e a vida eterna tornar-se-á uma possibilidade real.” Para Torres, os trans-humanistas estão, no entanto, presos numa ‘pescadinha-de-rabo-na-boca’ (‘catch-22’): “provavelmente precisaremos de construir uma AGI [sigla inglesa de Inteligência Artificial Geral] para criar a utopia, mas se nos apressarmos a construí-la sem as devidas precauções, tudo poderá explodir na nossa cara. É por isso que estão preocupados: só há um caminho a seguir, mas o caminho para o paraíso está minado.


No seu artigo de opinião para a revista Resilience ('If you're driving off a cliff, do you need a faster car?'), Richard Heinberg (membro-sénior do Post Carbon Institute) começa por referir-se aos riscos já identificados da IA (ou da AGI), assim como às declarações e avisos recentes dos empresários e especialistas das BigTech. Sem menosprezar algumas das preocupações veiculadas, Heinberg chama a atenção para outro perigo iminente: “Mesmo que (…) a IA não acabe com toda a vida na Terra, os seus perigos potenciais não se limitam a empregos perdidos, notícias falsas e factos alucinados. Há outro risco profundo que tem recebido pouca cobertura dos media – um risco que, na minha opinião, os pensadores sistémicos deveriam discutir mais amplamente. Essa é a probabilidade de que a IA seja um acelerador significativo de tudo o que nós, humanos, já fazemos.” Heinberg refere-se à chamada ‘Grande Aceleração’ da 2ª metade do século XX, correspondente ao maior crescimento económico e populacional de sempre, alavancada por diversos ‘aceleradores’, como os combustíveis fósseis, a ‘Revolução Verde’ na agricultura e os avanços nas tecnologias de informação. Embora economistas e governantes ortodoxos enalteçam estas façanhas, as ‘faturas’ desses alegados sucessos surgem agora para nos assombrar a todos: “A agricultura industrial está a destruir as camadas superficiais de solo fértil da Terra a uma taxa de dezenas de milhares de milhões de toneladas por ano. A natureza selvagem está em retração, tendo as espécies animais perdido, em média, 70% do seu número no último meio século. E estamos a alterar o clima planetário de formas que terão repercussões catastróficas para as gerações futuras. É difícil evitar a conclusão de que todo o empreendimento humano cresceu demasiado e que está a transformar a natureza (‘os recursos’) em desperdício e poluição demasiado rapidamente para se sustentar.” E a IA poderá ser afinal mais um novo ‘acelerador’ daquela destruição: “Esta tecnologia promete optimizar a eficiência e aumentar os lucros, facilitando direta ou indiretamente a extração e o consumo de recursos. Se realmente nos estivermos a dirigir para um precipício, a IA poderá levar-nos ao limite muito mais rapidamente, reduzindo o tempo disponível para mudar de direção.” Segundo Heinberg, a IA pode também ser um acelerador das nossas dependências das tecnologias digitais, provocando uma estupidificação acrescida das pessoas, assim como uma maior sujeição a quem controla aquelas tecnologias: “A IA (…) apresenta o risco de um maior embrutecimento da humanidade – exceto, talvez, para aqueles que optarem por implantar um computador nos seus cérebros. E há também o risco de que as pessoas que desenvolvem ou produzem estas tecnologias controlem praticamente tudo o que sabemos e pensamos, na busca do seu próprio poder e lucro.” Heinberg sugere que o que falta aos sistemas de IA é uma faceta-chave da consciência humana, a sabedoria (‘wisdom’), ou seja, “um reconhecimento dos limites, aliado a uma sensibilidade às relações e aos valores que priorizam o bem comum.” O perigo que daí advém é claro: “justamente no momento em que mais precisávamos de travar o uso de energia e o consumo de recursos, estamos a externalizar [‘outsource’] não apenas o processamento de informação, mas também a nossa tomada de decisões, em máquinas que carecem completamente de sabedoria para compreender e responder aos desafios existenciais que a aceleração apresenta. Criámos um verdadeiro ‘aprendiz de feiticeiro’.” Heinberg considera diferentes hipóteses de voltar a meter o génio na lâmpada de onde o deixámos sair – que vão desde desligar pura e simplesmente todos os sistemas de IA, a imbuir a IA da sabedoria que lhe falta. Mas em todas encontra limitações. Sugere então que a única saída será promover uma cultura de sabedoria colectiva enquanto ainda há tempo: “Ou recuperamos a sabedoria coletiva mais depressa do que as nossas máquinas conseguem desenvolver inteligência artificial executiva, ou provavelmente será o fim da partida [‘game over’].”


Num outro artigo de opinião ('To counter AI risk we must develop an integrated intelligence'), o autor britânico Jeremy Lent adopta uma postura semelhante à de Heinberg, considerando que existem diversos riscos associados ao desenvolvimento da IA, munida essencialmente de uma inteligência analítica, mas que o antídoto mais potente corresponde à capacidade integrativa da inteligência humana que permite estabelecer relações de empatia com as outras formas de vida e o ambiente: “O aumento explosivo do poder da IA representa um risco existencial para a humanidade. Para contrariar esse risco, e potencialmente redireccionar a trajectória da nossa civilização, precisamos de uma compreensão mais integrada da natureza da inteligência humana e dos requisitos fundamentais para o florescimento humano.” Lent defende que os sistemas de IA se baseiam essencialmente numa forma de inteligência analítica e racional que é boa a executar tarefas repetitivas e cálculos elaborados, mas que tende a transmitir uma imagem utilitarista e limitada do mundo. Pelo contrário, a inteligência humana integra duas formas complementares de consciência, uma mais racional (‘conceptual’) e outra mais sensível e intuitiva (‘animate’). Lent escreve: “a inteligência maquinal é na verdade puramente analítica. Não tem nenhuma estrutura que o ligue à vibrante senciência da vida. Independentemente do seu nível de sofisticação e potência, nada mais é do que um dispositivo de reconhecimento de padrões. Os teóricos da IA tendem a pensar na inteligência como independente do substrato – o que significa que o conjunto de padrões e ligações que a compõem poderia, em princípio, ser separado da sua base material e replicado exatamente noutro lugar, como quando se migram os dados de um computador antigo para um novo. Isso é verdade para a IA, mas não para a inteligência humana.”


Sem querer resumir todos os diferentes pontos de vista que partilhei até agora, poderia dizer que a IA é uma extensão de um paradigma social e cultural que acredita, quase cegamente, nas potencialidades da mente racional humana e na sua capacidade de criação de novas tecnologias benignas – uma versão depurada do excepcionalismo humano ou do antropocentrismo arrogante. Parece-me tratar-se mais de uma manifestação de entrega a uma certa estupidez natural (ou 'esperteza saloia') do que de verdadeira inteligência (artificial ou não). Desprovida principalmente da sabedoria a que se refere Heinberg ou da responsabilidade humana a que se referem Lanier e Weyl. Recupero as palavras de James Bridle que abrem este post: Podemos imaginar tecnologias poderosas de processamento e comunicação de informação que não nos explorem, não nos utilizem indevidamente, não nos enganem e não nos suplantem? Sim, podemos – assim que sairmos das redes de poder corporativo que definiram a atual onda de IA.. E concluo com as palavras que rematam o artigo de Jeremy Lent: “Diz-se por vezes que o que é necessário para unir a humanidade é uma flagrante ameaça comum, tal como uma hipotética espécie alienígena hostil que chega à Terra ameaçando-nos de extinção. Talvez esse momento esteja agora prestes a chegar – com uma inteligência alienígena emergindo das nossas próprias maquinações. Se houver esperança real para um futuro positivo, ela emergirá da nossa compreensão de que, como seres humanos, somos seres conceptuais e animados, e estamos profundamente conectados com toda a vida neste precioso planeta – e que coletivamente temos a capacidade de desenvolver uma civilização verdadeiramente integradora, que estabeleça as condições para que toda a vida floresça numa Terra regenerada.

A alucinação colectiva da IA (1)

© Collins Dictionary
Notas prévias: este artigo foi escrito por pessoas e só recorri a uma ferramenta de IA para a sua elaboração (Google Translate), mas sempre sujeito à minha revisão posterior; o post foi dividido em duas partes para facilitar a leitura – a 2ª parte está aqui.

(…) hallucinate seems fitting for a time in history in which new technologies can feel like the stuff of dreams or fiction—especially when they produce fictions of their own. Editorial do Cambridge Dictionary sobre a ‘Palavra do Ano 2023’

“AI” is best understood as a political and social ideology rather than as a basket of algorithms. (…) the AI way of thinking can distract from the responsibility of humans. Jaron Lanier e Glen Weyl (daqui)

AI turns out not to be a divine machine, but an industry that takes blood, sweat and metals. A system of extraction and exploitation on an industrial scale with dire consequences for the earth and humans. Documentário ‘The cost of AI’ (VPRO, 2023)

AI image and text generation is pure primitive accumulation: expropriation of labour from the many for the enrichment and advancement of a few Silicon Valley technology companies and their billionaire owners. James Bridle (daqui)

Can we imagine powerful information sorting and communicating technologies that don’t exploit, misuse, mislead and supplant us? Yes, we can – once we step outside the corporate power networks that have come to define the current wave of AI. James Bridle (daqui)

A Inteligência Artificial (IA) é um dos ‘hypes’ do momento e foi eleita palavra do ano pelo dicionário inglês Collins (ver aqui). Na sequência do encantamento público e mediático das últimas décadas pelas tecnologias digitais e pela chamada 4ª Revolução Industrial (ver p.ex. aqui ou aqui), a IA surge agora envolta num misto de fascínio e de preocupação, em particular devido às façanhas, mas também aos desvarios, de uma das aplicações mais populares da chamada IA generativa – os ‘chatbots’, como o ChatGPT. Essa é aliás a principal razão para a escolha dos editores do Collins: a rapidez estonteante da evolução da capacidade de reprodução da linguagem humana pelas novas ferramentas de IA e a explosão de discussões, escrutínio e especulação que têm gerado (ver aqui). As promessas de inovação, de ‘disrupção’ ou de bem-estar que a 4ª Revolução Industrial, a IA ou o ChatGPT alegadamente trarão ao mundo têm vindo a ser empoladas por personalidades mediáticas como Bill Gates (ver aqui) ou Klaus Schwab (ver aqui), mas são também apregoadas entusiasticamente ad nauseam pela generalidade dos media. Os editores do dicionário online ‘Dictionary.com’, que elegeu um outro termo relacionado com IA – ‘hallucinate’ (alucinar) – como palavra do ano (ver adiante), defendem que “A IA mudará para sempre a forma como trabalhamos, aprendemos, criamos, interagimos com a (des)informação e pensamos sobre nós próprios”. Notícias sobre as mais variadas aplicações da IA e os seus alegados benefícios ou limitações, surgem quase diariamente; seguem-se alguns exemplos dessas aplicações em diferentes sectores: biodiversidade (aqui), gastronomia (aqui ou aqui), imobiliário (aqui), artes (aqui), media/jornalismo (aqui ou aqui), religião (aqui ou aqui). Não admira pois que as expectativas sobre as capacidades e façanhas da IA sejam tão elevadas – como afirma ironicamente a jornalista e escritora canadiana Naomi Klein num artigo de opinião ("As máquinas de IA não estão a 'alucinar'. Os seus criadores, sim") em que desconstrói as principais promessas falaciosas das grandes corporações tecnológicas: “A IA generativa acabará com a pobreza, dizem eles. Vai curar todas as doenças. Vai resolver as alterações climáticas. Isso tornará o nosso trabalho mais significativo e emocionante. Irá desencadear vidas de lazer e contemplação, ajudando-nos a recuperar a humanidade que perdemos para a mecanização do capitalismo tardio. Vai acabar com a solidão. Isso tornará os nossos governos racionais e responsivos.”


No entanto, os mesmos media que anunciam cada nova façanha da IA (muitas vezes acriticamente), têm vindo também a alertar (ou a fomentar alarmismo…) para os riscos existenciais para a humanidade – numa actualização da ameaça mais antiga de que computadores ou robots super-inteligentes e potentes iriam exterminar os seus criadores humanos (ver p.ex. aqui). Isto aconteceu nomeadamente após diversos apelos ou avisos durante o ano de 2023 vindos de académicos, especialistas ou empresários envolvidos no desenvolvimento de sistemas de IA – ver aqui, aqui ou aqui – onde expressaram as suas inquietações. A primeira declaração, do ‘Center for AI Safety’, subscrita por nomes sonantes das empresas de Silicon Valley (BigTech), mas também por académicos de áreas diversas, consiste numa única frase: “Mitigar o risco existencial de extinção proveniente da IA deve ser uma prioridade global, juntamente com outros riscos à escala da sociedade, como pandemias e guerra nuclear.” A segunda é uma carta aberta do ‘Future of Life Institute’, subscrita também por muitos nomes sonantes das BigTech, apelando a uma moratória no desenvolvimento da IA. A juntar ao tom dramático e abrangência dos riscos apontados naquelas declarações, alguns dos perigos ou impactos negativos que têm vindo a ser identificados prendem-se com questões mais específicas como o trabalho (aqui ou aqui), a literacia digital (aqui), o plágio/autoria (aqui), a proteção de privacidade (aqui) ou a desigualdade económica (aqui), tendo desencadeado múltiplos apelos de regulação das empresas que desenvolvem sistemas de IA e de adopção de princípios éticos (ver p.ex. as declarações mencionadas acima ou o artigo de N. Klein já citado). No entanto, os aspectos considerados mais graves pelos especialistas e que têm causado maior consternação e acesas polémicas na opinião pública são: a IA irá tornar-se autónoma e destruirá os seus criadores (p.ex. por considerá-los supérfluos); a IA tornar-se-á mais inteligente do que os seus criadores e/ou irá tornar-se auto-consciente; a IA vai substituir o trabalho humano e vai provocar desemprego em massa – ver p.ex. artigos de Jeremy Lent (aqui), Richard Heinberg (aqui) ou Émile P. Torres (aqui), que serão citados adiante. Há quem considere estes perigos reais e esteja muito assustado (incluindo muitos especialistas da área), mas há também quem os considere uma sobrestimação grosseira da capacidade dos sistemas de IA. Talvez possamos dormir mais descansados sabendo que os especialistas da área estão atentos e até fundaram ‘think-tanks’ e parcerias para lidar com os riscos existenciais das novas tecnologias digitais, como os já referidos ‘Center for AI Safety’ e ‘Future of Life Institute’ ou ainda a ‘Partnership on AI to Benefit People and Society’. Ou talvez não!...


Irei aqui cobrir algumas das reflexões críticas que tenho vindo a respigar, versando diversas das ameaças ou riscos igualmente sérios mas menos falados da IA, como sejam as evidentes limitações das suas capacidades, os seus impactos ambientais (consumo de energia e recursos) e sociais (aumento das desigualdades) negativos, o uso abusivo de dados e de propriedade intelectual, ou a exacerbação do poder corporativo.


Começo com a referência a um outro termo - ‘alucinar’ -, eleito igualmente como palavra do ano, desta feita pelo (respeitável) dicionário Cambridge (ver aqui ou aqui), assim como pelo Dictionary.com (ver aqui). Na sua acepção habitual, alucinação refere-se a um distúrbio do foro psicológico ou a uma experiência mística ou psicadélica, que leva uma pessoa a ver ou ouvir algo que não existe na realidade, mas, no contexto da IA, designa uma anomalia nos resultados produzidos pelas ferramentas de IA generativa (os ‘chatbots’, mas também os geradores de imagem, como o Dall-E) que originam textos ou imagens falsos, completamente inventados ou bizarramente distorcidos, mas muitas vezes verosímeis - ver p.ex. aqui ou aqui. O editorial do dicionário Cambridge sobre a sua escolha de palavra do ano adverte: “Os modelos de linguagem [‘large language models’-LLMs] são tão confiáveis quanto as informações com as quais os seus algoritmos aprendem. A experiência humana é indiscutivelmente mais importante do que nunca para criar informações confiáveis e atualizadas com as quais os LLMs possam ser treinados”. Uma das críticas ao uso do termo alucinação no contexto da IA é a de que antropomorfiza uma máquina atribuindo-lhe qualidades humanas; a outra é a de que eufemiza ou trivializa um erro dos algoritmos informáticos – como defendem Naomi Klein (aqui) ou Benj Edwards em artigo para o site Ars Technica (ver também artigo do site da Universidade de Cambridge já citado). Edwards alega que o recurso ao termo alucinar “antropomorfiza os modelos de IA (sugerindo que eles têm características semelhantes às humanas) ou confere-lhes agência (sugerindo que podem fazer as suas próprias escolhas) em situações em que isso não deveria estar implícito. Os criadores de LLMs comerciais também podem usar alucinações como pretexto para culpar o modelo de IA por resultados erróneos, em vez de assumirem a responsabilidade pelos próprios resultados.” Edwards prefere o uso do termo ‘confabulação’ para descrever as disfuncionalidades dos modelos de IA que criam histórias fantasiosas como se fossem verdadeiras: “(…) embora igualmente imperfeita, é uma metáfora melhor do que alucinação. Na psicologia humana, uma confabulação ocorre quando a memória de alguém apresenta uma lacuna e o cérebro preenche-a de forma convincente, sem a intenção de enganar os outros. O ChatGPT não funciona como o cérebro humano, mas o termo confabulação serve como uma metáfora melhor porque há um princípio criativo de preenchimento de lacunas em ação…”.


Diversos autores têm vindo a desconstruir a mitificação e as promessas fantasiosas da IA (que Naomi Klein apelida de verdadeiras alucinações), chamando a atenção para os custos e as ameaças bem reais que a IA representa. Segue-se uma lista de autores e fontes que irei citar: Jaron Lanier (aqui e aqui), Miguel Nicolelis (aqui e aqui), Naomi Klein (tradução PT aqui; original aqui), Leif Weatherby (aqui), Jeremy Lent (aqui), Richard Heinberg (aqui), Émile P. Torres (aqui), James Bridle (aqui) e ainda o documentário ’The cost of AI’ do canal público holandês VPRO. Recomendo também a publicação ‘Amazing AI’ de Mary Louise Malig, disponível através do site Systemic Alternatives, onde a autora descreve alguns aspectos técnicos dos sistemas de IA no seu actual estado de desenvolvimento, para depois desconstruir alguns mitos mais comuns e revelar os seus impactos mais preocupantes, assim como mostrar possíveis vias de mitigação.

(continua)