sexta-feira, 29 de março de 2019

A respigadora Agnès

Interrompo a 'repostagem' dos meus escritos no Google+ para deixar aqui umas palavras de apreço por uma singular respigadora de imagens chamada Agnès Varda, que faleceu hoje. O filme que me abriu as portas para o seu mundo visual e para a sua sensibilidade muito própria foi exactamente 'Les glaneurs et la glaneuse' (Os respigadores e a respigadora) lançado em 2000. Sobre esse documentário escrevi em 2011:
"(...) realizado em 2000, mostra uma realidade que nessa altura poucos conheciam. A actividade de respigar, outrora reconhecida pela sociedade, tornou-se num acto marginal, mas que constitui para muitos dos que a fazem uma questão de sobrevivência. Os respigadores contemporâneos retratados neste documentário, que vivem do que a maioria desperdiça ou rejeita, revelam-nos uma dimensão da nossa sociedade que se caracteriza pelo excesso e pelo desperdício. Penso que o documentário se tornou agora ainda mais pertinente: é em momentos de crise como aquele que atravessamos que a capacidade de resiliência humana é posta à prova."
Mais recentemente pude ver a sua penúltima obra, 'Visages, villages' (2017), filmada em parceria com um outro artista visual bem mais jovem (JR), sobre a qual escrevi: "Um delicado, sensível e bem-humorado documentário-a-duas-mãos (ou antes, dois-olhares) que nos dá a ver o desenrolar do processo de criação e de conhecimento mútuo dos seus dois autores-criadores. Quando a imaginação (e os imaginários) se abrem e se aliam à sensibilidade e à atenção ao(s) outro(s), o resultado só podia ser esplêndido."

Sobre o seu cinema dizia a própria: "Eu não quero mostrar as coisas, mas dar às pessoas o desejo de ver." Obrigado Agnès.

Mudança climática: relatório do IPCC apela à acção política imediata mas não toca na 'vaca sagrada' do crescimento económico

[Post publicado no G+ a 8 Out 2018]

O IPCC (painel intergovernamental criado pela ONU e OMS para avaliar os dados científicos sobre o clima global) acaba de publicar o seu último relatório, cujas principais mensagens foram noticiadas pelos grandes 'media', nacionais e internacionais:
https://www.publico.pt/2018/10/08/ciencia/noticia/o-planeta-precisa-de-mudancas-sem-precedentes-para-nao-aquecer-mais-de-15-graus-celsius-1846510
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-10-08-E-se-as-temperaturas-subirem-mais-de-15--ONU-diz-que-sera-dificil-viver-no-planeta
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/08/global-warming-must-not-exceed-15c-warns-landmark-un-report
https://www.dw.com/en/ipcc-15-c-degree-report-points-to-high-stakes-of-climate-inaction/a-45791882

O relatório defende que a possibilidade de impedir o aumento da temperatura média global acima de 1,5ºC (indispensável para que o clima mundial não se torne incompatível com a vida humana e de muitos outros seres vivos, e com a saúde dos ecossistemas) depende criticamente de acções políticas imediatas e eficazes para limitar as emissões de CO2 (principal gás responsável pelo efeito de estufa) - ver gráfico no final deste post. As diversas notícias parecem no entanto ignorar a publicação recente do artigo conhecido por 'Hothouse Earth paper' (que alguns dos mesmos órgãos de informação noticiaram...), cujo primeiro autor esteve recentemente no Porto para uma palestra e foi entrevistado pelo jornal Público, e que traça cenários bem mais dramáticos* do que aquele que surge agora no relatório do IPCC:
https://www.theguardian.com/environment/2018/aug/06/domino-effect-of-climate-events-could-push-earth-into-a-hothouse-state
https://www.publico.pt/2018/09/29/ciencia/entrevista/a-maneira-como-vivemos-esta-a-avassalar-a-natureza-1845213
(*devido à interacção de factores que foram considerados pelos autores deste estudo, mas que não são tidos em conta nas análises do IPCC)

A publicação deste novo relatório prende-se seguramente com a agenda diplomática internacional do curto prazo - reunião dos ministros do ambiente da UE esta semana e a COP24 a decorrer na Polónia no início de Dezembro.
Embora o relatório alerte para as consequências dramáticas da inacção política, parece desvalorizar a ineficácia ou insuficiência das medidas já tomadas, ou da sua quase inexistência em muitos casos (basta pensar na posição do governo federal do país com a maior pegada ecológica do mundo...).
Em relação às medidas a tomar, o relatório defende que será necessária uma transição rápida e profunda nos sectores da energia, uso do solo, urbanismo e infra-estruturas (incluindo transportes e edifícios), assim como nos sistemas industriais e alimentares, que terá de ser inusitada em termos de escala. As principais medidas propostas referem-se à transição energética (para fontes renováveis), à mitigação das emissões (e o financiamento de uma gama alargada de estratégias) e à gestão dos usos do solo.
A necessidade de alterar o modelo económico global ou os modos de vida das populações privilegiadas não é sequer mencionada (ou é abordada de forma indirecta e subtil), embora seja consensual entre muitos pensadores, movimentos e organizações que se têm debruçado sobre estes temas - refiro apenas o Papa Francisco na encíclica 'Laudato Si' ou o movimento do Decrescimento, sobre os quais escrevi anteriormente - aqui e aqui.

A associação ambientalista Zero lançou um comunicado sobre o relatório onde descreve e subscreve as suas principais conclusões. Embora refira a dada altura que "Também serão necessárias mudanças profundas de estilo de vida, incluindo a alteração para uma dieta mais saudável e equilibrada e usar modos de transporte mais limpos (...) e ir além da dependência de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para novas políticas económicas que criam bem-estar para todos, respeitando os limites do planeta", a Zero parece 'dar uma no cravo e outra na ferradura' ao afirmar, por um lado, que "As alterações climáticas poderão (...) ameaçar o turismo, (...) causar prejuízos à indústria, produção de energia e infraestruturas de transportes, limitar o crescimento económico..." , e ao concluir, por outro lado, que "o investimento na ação climática constitui uma grande oportunidade para a economia europeia e para os seus cidadãos [sendo] possível modernizar o sistema de transportes e produção de energia, melhorar a independência energética, despoluir o ar, melhorar o uso do solo, criar empregos e tornar as cidades mais limpas, mais seguras e mais sustentáveis", como se o consumo crescente de recursos para implementar a transição sugerida não fosse uma ameaça ainda maior à prosperidade e ao bem-estar de todos!... Isto para não falar da ausência gritante de reflexão sobre quem iriam ser os beneficiários das medidas propostas.



quinta-feira, 28 de março de 2019

A crise climática e a ‘vontade política’

[Post publicado no G+ em 17 Out 2018]
Existirá de facto 'vontade política' entre os líderes mundiais para resolver a crise climática global? Vem esta pergunta a propósito do lançamento de mais uma Comissão Internacional para o Clima – a ‘Global Commission on Adaptation, promovida pelo governo holandês, sobre a qual surgiram algumas notícias:
https://www.esquerda.net/artigo/chegamos-um-ponto-sem-retorno-nas-alteracoes-climaticas/57545
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/nova-comissao-internacional-junta-notaveis-para-convencer-mundo-a-adaptar-se-ao-clima
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/16/leaders-move-past-trump-to-protect-world-from-climate-change
Segundo as palavras do ex-secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, que será um dos membros da comissão: “As alterações climáticas (AC) estão a acontecer muito, muito mais depressa do que pensamos. Mas se existir vontade política, tudo pode ser feito”. Outros dois nomes sonantes pertencentes à mesma comissão são o famigerado filantrocapitalista Bill Gates e a actual directora do Banco Mundial, Kristalina Georgieva. E é logo aqui que a porca começa a torcer o rabo!... Os líderes de corporações ou instituições que promovem o actual modelo económico que está na origem da crise climática, propõem-se agora trazer a salvação para o problema que criaram – a adaptação! Trata-se declaradamente duma nova versão, ainda mais perversa, da velha máxima ‘Adapt or die’. Os objectivos da dita comissão são claros: uma vez que a eficácia da mitigação está a ser posta em causa pela falta de ‘vontade política’ dos líderes governamentais, como é aliás referido nas conclusões do último relatório do IPCC (divulgado no início de Out 2018), esta comissão propõe-se promover a acção e o investimento na adaptação às AC. A questão da ‘vontade política’ surgiu de facto em força nas reacções ao relatório do IPCC - ver p.ex.:
https://www.publico.pt/2018/10/08/ciencia/entrevista/no-combate-as-alteracoes-climaticas-o-que-vai-fazer-a-diferenca-e-a-vontade-politica-dos-paises-1846493
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/08/world-leaders-have-moral-obligation-to-act-after-un-climate-report
Como escreveu recentemente a eurodeputada pelo BE Marisa Matias a esse propósito: “A política que temos face às alterações climáticas está a matar-nos lentamente. Os governos estão a responder às alterações climáticas mais ou menos como responderam à crise financeira: ignoram a existência do problema até que seja tarde demais.”
Mas esta nova comissão quer fazer a diferença e o dinheiro não será problema – segundo declarações de Ban Ki-moon citado no 'The Guardian': “The costs of adapting are less than the cost of doing business as usual and the benefits are many times larger. (...) I don’t think it is a matter of [getting the] money. The money can be mobilised. If there is political will, I think we can handle this matter.”
Portanto ficamos a saber que não há ‘vontade política’ para a mitigação, mas já haverá para a adaptação e as luminárias desta comissão irão fazer tudo o que está ao seu alcance para tornar esse desiderato uma realidade!
O químico norte-americano e especialista em AC Will Steffen, que deu recentemente uma palestra no Porto, afirmou liminarmente na ocasião, em resposta a uma pergunta da audiência, que o sistema político e económico actual é incapaz de lidar com a crise ambiental global. Portanto, não tenhamos ilusões de que a acção política indispensável para enfrentarmos o problema gigante que temos entre mãos terá de vir dos cidadãos, das iniciativas e movimentos locais ou regionais e eventualmente do poder político local pressionado pelas populações. Se deixarmos o galinheiro nas mãos das raposas, a coisa não vai certamente correr bem...

quarta-feira, 27 de março de 2019

'Extinction Rebellion' - mobilização cívica perante a emergência climática

[Texto baseado em dois posts do G+ de 30 Out e 18 Nov de 2018]
Um novo movimento de protesto contra a inacção e as políticas contraditórias do governo britânico perante a emergência climática planeia várias acções públicas de desobediência civil durante os próximos dias e semanas: https://extinctionrebellion.org/ https://risingup.org.uk/XR/
https://sendy.carow.solutions/w/Ab1763rBaYsTYU0YLrGwpT1A/Ywkx3O0OCbJYsdIZu6quMw/xbnsZdg763wLy05763Msl4gmuA (Newsletter)
A primeira será já amanhã, dia 31 Outubro, em Londres -'Declaration of Rebellion': https://www.facebook.com/events/1588038141300204/

Este movimento ganhou um apoio de peso do jornalista George Monbiot que escreveu um artigo de opinião no 'The Guardian' e irá discursar no evento de amanhã. Excerto: "Our politicians, under the influence of big business, have failed us. As they take the planet to the brink, it’s time for disruptive, nonviolent disobedience."

O mesmo jornal publicou um outro artigo a divulgar o movimento e os seus objectivos. Publicou ainda um manifesto de apoio de vários cientistas britânicos que enquadram a crise climática na crise ambiental mais abrangente e alertam para as suas causas profundas ligadas ao modelo económico dominante.

Poderá talvez vir a ser o despoletar de um grande movimento de cidadania global para nos fazer recuperar a esperança na construção de um futuro colectivo sustentável, justo e solidário. É possível, mas precisamos de querer e da estar disponíveis para nos envolvermos - para lutar e resistir.

[Nota adicionada em Mar 2019: o movimento XR está a planear novas acções directas não-violentas para a semana de 15-21 Abr 2019 - International Rebellion: https://rebellion.earth/get-active/international-rebellion-a-guide-for-participants/ https://www.facebook.com/events/126622414898833/]


Balanço do 'Rebellion Day' (17 Nov) em Londres:
A acção programada pelo movimento XR-Extinction Rebellion para ontem em Londres foi um sucesso - bloquearam cinco das principais pontes da cidade durante algumas horas, numa acção inédita que congregou milhares de pessoas, segundo estas fontes noticiosas britânicas:
https://www.theguardian.com/environment/2018/nov/17/thousands-gather-to-block-london-bridges-in-climate-rebellion
https://www.bbc.com/news/uk-england-london-46247339
Repare-se no comentário do jornalista da BBC a insinuar que o protesto não é razoável pois o governo britânico já está a cumprir as metas de redução de emissões... O que não é verdade:
https://www.monbiot.com/2018/10/19/rebelling-against-extinction/
Este jornalista (G. Monbiot) continua aliás a apoiar o movimento:
https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/nov/14/earth-death-spiral-radical-action-climate-breakdown
O movimento começa a angariar apoios de pessoas muito diversas como o filósofo britânico (e Quaker) Rupert Read, que abraçou a causa:
https://theconversation.com/extinction-rebellion-im-an-academic-embracing-direct-action-to-stop-climate-change-107037
É possível encontrar outros vídeos da acção de ontem na página do movimento no FB.
O movimento tem programadas mais acções para a próxima semana (Swarming https://www.facebook.com/events/2196665013947690/) e já tem um site internacional: https://xrebellion.org/
Haverá reuniões globais 'online' (conference call) para concertar acções noutros países nos próximos dias 19 e 20 Nov: https://www.facebook.com/events/281668182476084/
https://www.facebook.com/events/2371647839782498

As principais reivindicações do movimento dirigidas ao governo britânico são:
- falar a verdade sobre a catástrofe climática e ambiental eminente e declarar o estado de emergência;
- estabelecer metas ambiciosas e medidas vinculativas para descarbonizar a economia e reduzir o consumo de recursos naturais;
- promover a constituição de Assembleias de Cidadãos para monitorizar as medidas que forem tomadas e garantir a sua aplicação.
As palavras de ordem do movimento são: Re-Generate, Re-Imagine the World, Re-Claim Democracy, Rebel (for Life).

terça-feira, 26 de março de 2019

Uma civilização ecológica para um planeta vivo

[Post publicado no G+ em 24 Nov 2018] 
Talvez custe a acreditar, mas a expressão ‘civilização ecológica’ foi usada pelo actual presidente da China, Xi Jinping, num seu discurso perante o congresso nacional do Partido Comunista Chinês em Outubro de 2017, para descrever a harmonia que será necessário manter entre seres humanos e natureza para garantir o bem-estar das gerações futuras na China e o progresso da Humanidade. Segundo Jeremy Lent, escritor de origem britânica e autor do livro ‘The patterning instinct, poder-se-ia considerar este tipo de afirmações como mera retórica política, mas Lent realça a diferença abismal entre o conteúdo daquele discurso em que Jinping descreve uma série de medidas que incluem estímulos à economia circular e de baixo-carbono, à conservação da natureza e defesa da floresta, e, simultaneamente, desincentivos ao consumo excessivo e às actividades poluentes, e o do discurso inaugural de Donald Trump em que este apelou ao nacionalismo destrutivo e às políticas anti-ecológicas e xenófobas da sua ‘America First’:
O governo chinês assumiu aliás há já alguns anos perante a comunidade internacional a intenção de se empenhar nos desafios da protecção ambiental e do desenvolvimento sustentável, tendo então adoptado o desígnio de promover uma ‘civilização ecológica’, como se pode ler nesta publicação.
Lent refere no seu artigo os diversos projectos ambiciosos de transição energética e de economia circular que estão a ser implementados pelo governo chinês, mas invoca também as visões de harmonia e de interdependência com o mundo e o universo da cultura e da filosofia tradicionais chinesas, que contrastam com as visões europeias de separação e de domínio da natureza. No entanto, aquele autor concede que a China está ainda muito longe de atingir a sustentabilidade ambiental e social e que há quem critique a agressividade económica chinesa, com a agravante das questões de défice de democracia e de autoritarismo que caracterizam o regime político chinês.

Lent cita um outro autor norte-americano, David Korten, que defende também a necessidade de transitar para uma civilização ecológica (EcoCiv) e que é um crítico contundente das políticas da administração norte-americana e um observador cauteloso do regime chinês.

Korten caracteriza o sistema económico mundial, dominado pela globalização liderada pelas corporações e pela finança transnacionais, como a Economia Suicida (‘Suicide Economy’) que está a produzir desequilíbrios ambientais e sociais sem precedentes por todo o mundo. Em oposição ao sistema actual baseado na economia de mercado neoliberal que equaciona a riqueza ao dinheiro, reduz os bens naturais ao seu valor de mercado e assume que cada pessoa serve melhor a sociedade ao maximizar o seu próprio retorno financeiro sem respeitar o outro, Korten propõe uma economia que cuide do planeta vivo (‘Living Earth Economy’). Essa economia ecológica (redundância evitável se a palavra economia assumisse a sua a acepção original) deverá obedecer a três condições essenciais: manutenção de um equilíbrio saudável e harmonia entre os seres humanos e os sistemas regenerativos indispensáveis à manutenção e renovação do ecossistema planetário, garantia para todas as pessoas do essencial de bem-estar e felicidade humanos, e promoção de um sistema planetário de economias comunitárias biorregionais e auto-organizadas que cumpram as duas condições anteriores. A transição do actual sistema insustentável para uma economia de base ecológica só será possível através de transformações culturais e institucionais sistémicas que permitam: (i) mudar o objectivo da economia de aumentar o consumo e os activos financeiros para assegurar o bem-estar e felicidade de todas as pessoas presentes e vindouras; (ii) transferir o poder institucional das corporações globais para os povos de nações autónomas e autogovernadas que se auto-organizam para suprir as suas necessidades dentro dos limites de sua própria base de recursos auto-renováveis; (iii) mudar os sistemas de produção-consumo de fluxos globais, lineares, de uso único e descarte de recursos para fluxos locais circulares que continuamente renovam e reutilizam materiais, solos, água, nutrientes e energia; e (iv) mudar a propriedade de activos produtivos de corporações e financiadores globais para os povos que vivem nas comunidades em que os activos estão localizados e que se sentem responsáveis pelo bem-estar das gerações futuras. Korten admite que esta transição só será possível se houver cooperação internacional através de formas de governança globais que permitam caminhar no sentido da almejada civilização ecológica.
Num artigo mais recente, Korten volta a apelar à transição ecológica para impedir uma eventual extinção da Humanidade. Nele o autor escreve: “The transition will test the limits of human creativity, social intelligence, and commitment to collaborate in the face of relentless establishment opposition. (…) To destroy life only so that the financial assets of billionaires can grow is a monumental act of collective stupidity. (…) Forward-looking communities around the world are engaged in advancing these transformations on both micro and macro scales. Their activities must become the norm everywhere, with all peoples and governments freely sharing the lessons of their efforts to develop proven, deeply democratic approaches to local self-reliance and liberation from corporate rule. The well-being of people and planet will rise, as corporate profits fall.

Um outro pensador e escritor norte-americano com uma visão muito alinhada com as de Lent e de Korten é Charles Eisenstein (autor de ‘Climate: a new story), que defende igualmente um modelo regenerativo para a governança local e global (‘Living Planet view’) num artigo recente. Excertos: “If we continue degrading and destroying [Earth’s ecosystems], then even if we cut emissions to zero overnight, Earth would still die a death of a million cuts. (…) Our stories are powerful. If we see the world as dead, we will kill it. And if we see the world as alive, we will learn how to serve its healing. (…) The Living Planet view, by which I mean the conscious ensouled planet view, acknowledges an intimate link between human and ecological affairs. (…) A society that exploits the most vulnerable people will necessarily exploit the most vulnerable places too. A society devoted to healing on one level inevitably will come to serve healing on every level. (…) This is not about survival; that is why the fear narrative, the cost-benefit narrative, the existential threat narrative does not serve the cause of ecological healing. Can we replace it with the love narrative? With the beauty narrative? The empathy narrative? Can we connect with our love for this hurting living planet, and look at our hands and minds, our technology and our arts, and ask, How shall we best participate in the healing and the dreaming of Earth?

No seu livro mais recente, que desenvolve as ideias dos seus livros anteriores, Eisenstein defende que a crise ambiental é muito mais profunda do que apenas a mudança climática e que todos os outros problemas igualmente graves, como a extinção de biodiversidade, a destruição de ecossistemas, a desflorestação ou a contaminação e empobrecimento dos solos, têm como causa primária um modelo civilizacional baseado no reducionismo, no materialismo e na separação, que criou, por sua vez, uma sociedade industrial e tecnológica e um modelo económico globalizados que são intrinsecamente insustentáveis e destrutivos.
O autor conversou recentemente com o humorista e activista britânico Russell Brand sobre este e outros assuntos relacionados: vídeo aqui. 'Podcast' completo nesta ligação.

A gravidade do problema da extinção de biodiversidade foi recentemente reforçada com a publicação do último relatório da WWF – ‘Living Planet Report 2018’. As suas conclusões são dramáticas: nos últimos 40 anos as populações de vertebrados diminuíram em 60% a nível mundial, com as maiores perdas na América do Sul e Central (89%) e nos habitats de água doce (83%). Ver também as seguintes notícias:
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-10-30-Desde-1970-mais-de-metade-dos-animais-desapareceram-da-Terra.-E-os-culpados-somos-nos#gs.O9_SkQs
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/30/humanity-wiped-out-animals-since-1970-major-report-finds

A causa imediata é evidente: as actividades humanas, com destaque para a desflorestação e a sobrepesca. E a causa profunda é também clara: o modo de vida de vastas populações humanas que levou ao consumo excessivo de recursos, à expansão agro-pecuária e à destruição de ecossistemas. Lamentavelmente, o relatório não clarifica que esta situação é uma consequência de um modelo civilizacional predominantemente ocidental e neocolonial, que não coincide com as práticas de diversos povos indígenas cujas cosmovisões promovem uma forte ligação e convivência saudável com a natureza. Como afirmou o director da WWF, Marco Lambertini: “Não podemos continuar a ignorar o impacto dos actuais modelos de produção insustentáveis e dos estilos de vida esbanjadores”. E acrescentou que será necessária “uma revolução cultural que valorize realmente a natureza”. O relatório propõe um ambicioso e urgente ‘new deal’ para a natureza que terá de ser assumido internacionalmente. Como referiu uma outra responsável da WWF, Tanya Steele: “Nós somos a primeira geração a saber que estamos a destruir o nosso planeta e a última que pode fazer algo para impedi-lo.” Resta saber se estamos de facto dispostos a fazê-lo e como o poderemos fazer de forma justa e democrática.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Relatório da ONU sobre emissões de CO2: mais achas para a fogueira!

[Post publicado no G+ em 28 Nov 2018] 
O relatório 'Emissions Gap Report 2018' da ONU foi publicado ontem (27 Nov) e mostra que as emissões globais de CO2 voltaram a subir em 2017, apesar dos compromissos assumidos pelos países que assinaram o Acordo de Paris. O relatório foi noticiado amplamente:
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-11-27-Pela-primeira-vez-desde-2014-houve-este-ano-um-aumento-das-emissoes-de-dioxido-de-carbono
http://www.vercapas.com/noticias/emissoes-de-co2-sobem-pela-primeira-vez-em-quatro-anos/1818362.html
Segunda esta última notícia: "Por este andar, lê-se [no relatório], haverá um aumento de 3,2ºC até ao final deste século. (…) O relatório explica que nos últimos anos de estagnação económica foi possível reduzir as emissões, mas refere que este aumento registado em 2017 vem precisamente de mão dada com o crescimento da economia de alguns países."
Portanto, parece que afinal o crescimento económico não descolou das emissões como prometiam governos e políticos e as metas do Acordo de Paris não foram cumpridas… Que surpresa!
Segundo o mesmo relatório, os países teriam que triplicar os seus esforços de redução de emissões para impedir uma subida de 2ºC da temperatura média ou mesmo quintuplicar esses esforços para atingir a meta de 1,5ºC que o último relatório do IPCC aponta como indispensável para impedir o caos climático, como foi também noticiado.
Joyce Msuya, directora executiva da UNEP (Programa da ONU para o Ambiente), afirmou: “If the IPCC report represented a global fire alarm, this report is the arson investigation,”
E quem são os suspeitos do costume que não estão a cumprir as suas metas? Os Estados Unidos, o Canadá, a África do Sul, a Arábia Saudita e... a União Europeia!
Não admira que os cidadãos vão deixando de confiar nos seus governantes e decidam tomar o assunto em mãos. Eis algumas das iniciativas de mobilização internacionais previstas para os próximos tempos:
Extinction Rebellion: https://rebellion.earth/ (UK); https://xrebellion.org/ (Internacional)
Climate Alarm (8 Dez):
https://www.facebook.com/events/340482030052960/ (França e Mundo)
https://www.facebook.com/events/260771704636366/ (Lisboa)
https://www.facebook.com/events/326270354828889/ (Porto)

domingo, 24 de março de 2019

As vozes corajosas que dizem as verdades que precisamos de ouvir

[Post publicado no G+ em 14 Dez 2018] 
Termina hoje em Katowice na Polónia a COP24, conferência internacional da ONU para o clima, que tinha como objectivo principal definir as regras de implementação do Acordo de Paris de 2015. Entre discursos e declarações de intenções mais ou menos contidos ou dramáticos, acabaram por sobressair as palavras claras, corajosas e inspiradoras de uma jovem activista sueca de 15 anos, Greta Thunberg, que se dirigiu à sessão plenária de 12 Dez:
https://youtu.be/HzeekxtyFOY https://vimeo.com/306081056
https://www.commondreams.org/news/2018/12/12/whoever-you-are-wherever-you-are-we-need-you-15-year-old-greta-thunberg-calls-global
(texto integral nesta ligação)
Vale a pena ouvir com atenção o discurso curto e incisivo, que é de uma lucidez pouco comum nas declarações dos adultos que saturam habitualmente o espaço mediático. A jovem Greta refere-se à crise climática como uma emergência global e uma ameaça existencial que os líderes políticos, que acusa de se comportarem como crianças, não resolvem por falta de coragem em enfrentar um sistema económico baseado num crescimento permanente e numa desigualdade absurdos e insustentáveis:
You only speak of green eternal economic growth because you are too scared of being unpopular. You only talk about moving forward with the same bad ideas that got us into this mess, even when the only sensible thing to do is pull the emergency brake. You are not mature enough to tell it like it is. Even that burden you leave to us children. (…) I care about climate justice and the living planet. Our civilization is being sacrificed for the opportunity of a very small number of people to continue making enormous amounts of money. Our biosphere is being sacrificed so that rich people in countries like mine can live in luxury. It is the sufferings of the many which pay for the luxuries of the few.
Thunberg acusa também frontalmente os líderes políticos e os 'media' de não falarem a verdade sobre a catástrofe climática e de perda de biodiversidade (sexta extinção em massa), e de desprezarem as populações que deviam servir, roubando assim o futuro aos mais jovens. E termina declarando que a acção e a mudança, que terão de ser sistémicas, virão, não dos decisores políticos, mas dos cidadãos, onde deve residir o verdadeiro poder. Foi com este mesmo desassombramento e assertividade que a jovem se tinha dirigido alguns dias antes ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, também durante a COP24:
https://youtu.be/BdIQlK6JGJs (som) https://youtu.be/1Cve4bLDrlM (texto)
https://grist.org/article/greta-thunberg-activist-cop24-katowice/
I expected it to be more action and less talking - [but] it’s mostly just small-talking, (...) This is an amazing opportunity. But if it continues the way it is now, we are never going to achieve anything.


A jovem sueca já tinha entrado no radar mediático com as suas greves à escola às sextas-feiras para exigir acção contra a mudança climática:
https://sicnoticias.sapo.pt/especiais/cimeira-do-clima-2015/2018-12-06-Quem-e-a-adolescente-de-15-anos-que-foi-discursar-na-cimeira-do-clima-
https://en.wikipedia.org/wiki/Greta_Thunberg
https://www.theguardian.com/environment/2018/dec/04/leaders-like-children-school-strike-founder-greta-thunberg-tells-un-climate-summit
You don’t have to school strike, it’s your own choice. But why should we be studying for a future that soon may be no more?
Estas greves inspiraram jovens estudantes na Austrália que realizaram grandes manifestações a nível nacional no final de Novembro:
http://www.climateaction.org/news/students-strike-for-climate-change
https://www.facebook.com/TheProjectTV/videos/students-skip-school-in-favour-of-protesting/2257703014513368/
https://www.dw.com/en/australian-kids-skip-school-in-climate-protest/a-46516457


As intervenções de Greta Thunberg fizeram-me lembrar as palavras igualmente lúcidas e incisivas de uma outra jovem, a canadiana Severn Suzuki (na altura com 12 anos de idade), numa alocução numa outra conferência famosa das Nações Unidas, a Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, que deu origem às conferências do clima (COP) que se iniciaram em 1995. Vale a pena voltar a ouvir esse discurso e constatar a sua impressionante actualidade, passados 26 anos: https://youtu.be/SyBVxm-N7JE https://youtu.be/uZsDliXzyAY
(texto integral nesta ligação)
Mais impressionante ainda é constatar que a grande maioria das questões que a jovem Severn enumerou não foram resolvidas nas 23 conferências internacionais que decorreram desde então!...

Que os testemunhos destas jovens nos inspirem a agir perante uma situação dramática que muitos continuam a ignorar ou a desprezar, e nos relembrem, tal como a jovem Greta o fez, que: “you are never too small to make a difference.