quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Um cartoon para o Dia de Todos os Santos


Numa época do ano em que a máquina de aculturação norte-americana teima em converter um feriado religioso (outrora pagão) em mais uma festa de consumismo e de obliteração de identidade, e em que as criancinhas são vestidas pelos pais, ou obrigam os pais as vesti-las, com indumentárias de personagens maléficas e assustadoras, proponho uma vestimenta alternativa usada por muitos 'serial killers' de fatiota janota e bem engravatados que pululam pelas nossas cidades, cometendo, consciente ou inconscientmente e na intimidade dos seus escritórios e gabinetes (ou co-works), os crimes mais hediondos, mas sem que ninguém suspeite dos seus actos de malvadez. É vê-los todos os dias na rua, no café, no transporte público, por detrás de um balcão ou no ecrã de TV, com o seu ar airoso e sorridente, acima de qualquer suspeita, cumprindo a sua missão de nos lixar um pouco mais a vida.

sábado, 5 de outubro de 2019

Legislativas 2019: mais uma oportunidade perdida

Há quatro anos atrás escrevi um post desencantado nas vésperas das Legislativas de 2015. Hoje, após um governo de ‘geringonça’ liderado por António Costa e de uma aparente recuperação económica e social desde os anos de austeridade da ‘troika’ e do governo Passos Coelho, o meu estado de espírito não é muito diferente. Mais uma vez nos encontramos na eminência da continuidade do ‘arco da governação’, baseado nos partidos que se revezam no poder há décadas (PS e PSD, c/ ou s/ CDS) (ver p.ex. aqui). Pelo menos a julgar pelas sondagens com que somos continuamente massacrados - que de pouco servem, seja para promover a participação ou uma verdadeira possibilidade de mudança. É que apesar de haver quem defenda que a ‘geringonça’ pressionada pelo BE e o PCP tem conseguido reverter o descalabro social da era troika-Passos, esquece-se que muito do caminho trilhado na prossecução da agenda neoliberal já vinha do governo Sócrates e o próprio PS de Costa tem promovido uma agenda pouco ‘progressista’, com o conluio do PSD – veja-se, por exemplo, as alterações ao Código de Trabalho aprovadas pelo PS, com os votos contra de BE e PCP e a abstenção do PSD e CDS, e que configuram um ‘regresso ao passado’ na desregulação e degradação das condições do trabalho e na manutenção da sua precarização, segundo opinião do jurista Garcia Pereira.
Depois tivemos, para além das ‘campanhas políticas’ recheadas das marcas evidentes do ‘marketing’, desde o slogan ‘faz sentido’ do CDS ao ‘faz acontecer’ do BE, e dos habituais comícios, almoços ou jantares-convívio e arruadas, uma ‘cobertura mediática’ centrada, como é também habitual, nos partidos com assento na AR – a desproporção foi tão evidente que o próprio Marcelo se pronunciou. Uma novidade desta campanha, foi a entrada do tema da crise climática nos programas partidários, nos discursos dos seus líderes e nos debates, a que não terão sido alheias as recentes grandes mobilizações internacionais. No entanto, as propostas de mudanças profundas no sistema económico-financeiro e produtivo que seriam indispensáveis para uma resolução séria e duradoura da catástrofe ecológica mais abrangente continuam a ser empurradas para as calendas. Uma outra novidade foram as assanhadas campanhas de descredibilização dirigidas ao PAN, em particular por comentadores da direita política (ver p.ex. aqui), e que já tinham sido iniciadas após os resultados das Eleições Europeias (ver p.ex. este post ou aqui). Mesmo reconhecendo algumas incoerências e desequilíbrios no discurso e programa do PAN, aqueles ataques parecem-me descabidos e apenas justificáveis pelo facto dos partidários daquela facção ideológica (embora também tenha havido reacções de gente da esquerda) se terem apercebido da ameaça que este partido constitui às suas próprias ambições políticas e de poder.
E depois há a questão do próprio sistema político baseado na democracia representativa, dominada pelos partidos e por interesses vários, e do sistema eleitoral, verdadeiras 'vacas sagradas’ que poucos se atrevem a querer mudar, por mais que seja evidente que já não servem os interesses dos cidadãos ou o bem-comum. Também escrevi sobre isso anteriormente. Continuo a subscrever o que escrevi no último parágrafo do post de há quatro anos atrás, mas irei desta vez votar num pequeno partido, embora com pouca convicção de que essa decisão faça alguma diferença. Na segunda-feira prosseguirá portanto a programação habitual.
Recupero para fechar dois vídeos menos recentes, um protagonizado por José Saramago e outro pelo 'rapper' Walid El Sayed, mas que continuam a descrever adequadamente a situação em que nos encontramos: ver aqui e aqui.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Como reagir perante a emergência ecológica?

Esta é uma pergunta que muitas pessoas têm vindo a fazer nos últimos tempos perante as catástrofes ecológicas que enfrentamos e que vão da crise climática aos incêndios devastadores na Amazónia. E as respostas têm sido muito variadas: desde a apatia ou a impotência (o mal está feito e não há possibilidade de o reverter), à dor e à angústia (que não deixam grande espaço para pensar ou agir), ao cinismo e à negação (daqueles que, com medo de perderem o muito ou pouco que têm, preferem atacar ou ridicularizar os mensageiros), ou à coragem e determinação (daqueles que não aceitam as alegadas inevitabilidades e preferem agir ou reagir a ficar paralisados ou derrotados). As declarações da jovem activista Greta Thunberg têm sido alvo de grande projecção mediática internacional e têm motivado, quer reacções de entusiasmo e de louvor, quer reacções de rejeição e de ódio:
https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/aug/19/greta-thunberg-attackers-climate-crisis-activist
https://countercurrents.org/2019/09/maxime-bernier-attacked-greta-thunbergs-autism-naomi-klein-says-autism-made-the-teen-a-global-voice-of-conscience
https://countercurrents.org/2019/09/the-courage-of-saying-no-children-rebellion-and-greta-thunberg
https://vancouversun.com/opinion/columnists/uns-fat-cat-hypocrites-praise-greta-thunberg/wcm/e677514d-d48f-464b-9bf8-b9e4d9e969b3
https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/sep/30/greta-thunberg-enemies-inaction-climate-crisis
Também os acontecimentos recentes na Amazónia têm gerado grande consternação e acesas discussões, assim como declarações desvairadas ou abjectas, como as recentemente proferidas pelo demente líder brasileiro nas Nações Unidas:

Para reflexão, deixo apenas dois vídeos: um deles de uma entrevista ao realizador Michael Moore e à jovem Greta num canal de TV escandinavo (SVT/TV 2/Skavlan):
https://www.youtube.com/watch?v=NDDDJrxuVYk (15')
(é possível activar legendas em EN e tradução automática para PT)
e o outro com o depoimento do autor/pensador norte-americano Charles Eisenstein* sobre a Amazónia, que me deixou particularmente sensibilizado:
https://www.youtube.com/watch?v=2mNboLb2Suc (13'30)
(é possível activar legendas em ES ou EN e tradução automática para PT)
Neste último vídeo, chamo a atenção em particular para o trecho a partir do segundo minuto e até ao sexto, em que o autor explica porque razão ele acha que se deve evitar cair na armadilha de focar as energias na luta contra um inimigo identificado, mas que não vai resolver os problemas de fundo que fizeram surgir esse inimigo. Propõe em alternativa acções que promovam mudanças nos níveis de consciência e de compreensão sobre a realidade ou acções de regeneração ecológica ou social, que convocam a salvaguarda de um planeta vivo (e dos seus ecossistemas) como o bem mais precioso. Eisenstein defende que apenas uma mudança radical de mentalidade e de sensibilidade (integrando mente e coração) em relação à restante vida no planeta e em relação aos outros pode mudar as narrativas e práticas ecocidas, injustas e insustentáveis que dominam o mundo. Só assim será possível alimentar a confiança e a esperança como antídotos contra o medo, o desespero e a angústia. Na mesma linha encontram-se as propostas do colectivo 'Sacred Mountain Sangha' e da activista Isabel Correia:
http://sacredmountainsangha.org/climate-emergency/ (versão PT)
https://far-educa.blogspot.com/2019/09/act-now-o-que-podes-fazer-ja.html

* autor de livros como 'Sacred Economics' ou 'Climate - A new story': https://charleseisenstein.org/about/