terça-feira, 25 de junho de 2019

Na Nova Zelândia o bem-estar e a sustentabilidade passam a ser as prioridades governativas – em vez do aumento do PIB

Na Europa, as prioridades governativas nacionais e as directivas europeias continuam a ser guiadas pela criação de 'riqueza' e pelo crescimento económico. Mesmo que isso não conduza necessariamente ao aumento do bem-estar das populações, nem à sustentabilidade ambiental. Os decrescentistas e outros críticos do modelo de desenvolvimento dominante há muito que defendem que economias baseadas no crescimento do PIB e na externalização dos custos ambientais e sociais estão condenadas à insustentabilidade e ao colapso. Recentemente foi mesmo proposto um pacto de bem-estar e sustentabilidade para substituir o Pacto de Estabilidade e Crescimento que dita as políticas europeias, embora não pareça ter tido (por enquanto) grande receptividade. Chega agora a notícia de que o governo de coligação da primeira-ministra trabalhista da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, acaba de apresentar o primeiro ‘Orçamento do Bem-Estar’ que põe em causa a hegemonia do PIB (ver p.ex. artigo da Visão):
Grande parte das notícias sobre esta iniciativa revolucionária dão ênfase às medidas que pretendem promover o bem-estar físico e psicológico das populações, mas as prioridades do orçamento apresentado compreendem de facto cinco objectivos principais: melhorar a saúde mental, reduzir a pobreza infantil, mitigar as desigualdades enfrentadas pelos povos indígenas Maori e das ilhas do Pacífico, garantir a prosperidade na era digital e fazer a transição para uma economia sustentável de baixo carbono. A PM Ardern defendeu que o progresso dum país não deve somente ser medido pelo aumento do PIB pois este não garante o bem-estar de todos, numa clara referência às crescentes desigualdades sociais dos países ditos ‘desenvolvidos’ (incluindo o seu). Embora a oposição acuse a proposta de orçamento de mero ‘marketing’ político, as medidas de natureza ambiental, que contemplam a conservação de ecossistemas, a mitigação da mudança climática, a gestão dos recursos hídricos e o uso sustentável dos solos, têm sido elogiadas:
Vai ser muito interessante acompanhar os próximos desenvolvimentos e a operacionalização destas políticas, que contrastam com as do seu vizinho australiano onde as recentes eleições deram a vitória ao governo conservador liderado pelo PM Scott Morrison, que continua a apostar no modelo económico neoliberal insustentável.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Dia Global do Decrescimento: divulgar as alternativas económicas

(Nota prévia: uma versão deste post foi submetida para publicação no suplemento P3-Megafone do jornal Público, mas não foi aceite)
“Alguém que acredite que o crescimento exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito ou é louco ou é economista.” Esta afirmação é uma citação famosa atribuída ao economista norte-americano Kenneth Boulding (1910-1993). No entanto, o crescimento económico tem sido a pedra de toque do discurso político e da prática económica a nível mundial há várias décadas, conferindo-lhe uma aceitação quase universal como via preferencial para alcançar o bem-estar social e a prosperidade nas sociedades desenvolvidas. Todavia, há cada vez mais vozes na academia e na sociedade civil a alertar para as consequências ambientais e sociais nefastas do modelo sócio-económico global dependente do crescimento permanente da produção e do consumo – esgotamento de recursos, crise climática, destruição de ecossistemas e biodiversidade, agudização das desigualdades – e para a necessidade de encontrar alternativas que garantam um futuro sustentável para todos. Foi no sentido de celebrar essas alternativas que o colectivo internacional ‘Degrowth web portal’ propôs a celebração do ‘Dia Global do Decrescimento - Uma vida boa para todos’ no passado dia 1 Junho. Nesse dia, houve mais de 50 eventos públicos em diferentes países para divulgar e reflectir sobre alternativas às sociedades baseadas no crescimento - desde um piquenique em El Salvador com comida caseira e discussões sobre a produção de alimentos, até um festival de decrescimento em Montreal com palestras, música e teatro. A maioria das iniciativas decorreu na Europa, tendo sido organizados cinco eventos em Portugal. A Rede para o Decrescimento, grupo informal de activistas que iniciou a sua actividade em Julho de 2018 e do qual sou membro, promoveu uma Caminhada pelo Decrescimento em Lisboa (percurso pedestre e piquenique; fotos no final deste ‘post’) e o encontro Decrescer para Viver no Porto (jantar e conversa). O CIDAC organizou duas oficinas e um mercado de trocas na Loja de Comércio Justo em Picoas (Lisboa). A Cooperativa Integral Minga organizou em Montemor-o-Novo um Piquenique para o Decrescimento, onde apresentou o‘Commonspoly’, versão alternativa do jogo de tabuleiro Monopólio que promove a cooperação em vez da competição. O projecto Flor de Culturas promoveu a iniciativa ‘A-B-C do decrescimento’ integrada nas comemorações do Dia da Criança em Alcanhões (Santarém).
A comunidade decrescentista é um movimento plural de justiça global, sustentabilidade e bem-estar. Defende para os países e territórios com pegadas ambientais e desigualdades sociais excessivas, a redução da produção e consumo de bens e serviços para níveis sustentáveis, a relocalização das actividades económicas e a redução dos horários de trabalho, promovendo, ao mesmo tempo, a frugalidade e simplicidade voluntárias, e procurando garantir mecanismos de equidade e justiça social. Os decrescentistas sustentam que a resultante redução de bens materiais e de conforto para uma parte das populações daqueles territórios será acompanhada dum aumento dos níveis de satisfação emocional e psicológica, bem como do aumento dos bens relacionais e conviviais.
Embora as perspectivas decrescentistas não tenham ainda uma presença regular no espaço mediático, vão surgindo alguns artigos e entrevistas que trazem para o debate público as questões-chave do Decrescimento e as suas implicações em diferentes áreas da sociedade, como a sustentabilidade ambiental, o consumo ou o urbanismo. Iniciativas como o Dia Global do Decrescimento são uma outra forma de dar visibilidade às propostas e práticas sociais e económicas alternativas já existentes, contribuindo para o seu escrutínio público. Juntos, queremos mostrar que uma vida boa para todos é possível!
                                          Vale de Alcântara
                                          Bairro da Liberdade
                                  Projecto de Agrofloresta 'Bela Flor Respira' (Bairro da Bela Flor)
                                          Piquenique (Parque da Pedra, Monsanto)

sábado, 22 de junho de 2019

‘Deepfake’ – o poder tremendo das novas tecnologias digitais

Comecem por ver estes dois curtos vídeos e ouçam com atenção o que dizem as ‘celebridades’ que protagonizam cada um deles:
https://vimeo.com/341794473
https://vimeo.com/341795971
Surpreendid@s? Não esperavam ouvi-las proferir aquelas palavras?
Na verdade, aquilo que viram e ouviram são vídeos criados com recurso a sofisticadas tecnologias digitais baseadas em IA, que tomam o nome de ‘deepfake’ e fazem parte do projecto ‘Spectre’ do artista britânico Bill Posters em colaboração com Daniel Howe: http://billposters.ch/projects/spectre/  http://billposters.ch/spectre-launch/
O vídeo protagonizado por Mark Zuckerberg tornou-se viral e foi noticiado por diversos media internacionais*. O nome do projecto de Posters e Howe corresponde à alcunha de Aleksandr Kogan, o cientista informático que vendeu milhões de perfis do Facebook à 'Cambridge Analytica' (é também o nome da organização criminosa fictícia do universo dos livros e filmes do agente secreto James Bond). Trata-se de uma instalação imersiva apresentada recentemente em Sheffield, no Reino Unido, que lança um olhar crítico e um aviso sobre a relação problemática entre tecnologia e democracia. ‘Spectre’ recorre a formas computacionais de propaganda usadas pelas grandes empresas tecnológicas e de marketing, incluindo o sistema OCEAN (caracterização psicométrica) usado por exemplo pela 'Cambridge Analytica', e pretende alertar para as ameaças que o uso daquelas tecnologias representa para a liberdade e a democracia. Posters afirmou que a sua instalação pretende também alertar para o modo como o ‘Big Data’ ou o ‘Data-ism’ se estão a tornar uma nova religião que ameaça sobrepor-se à autonomia e liberdade individuais.
Vale a pena saber mais sobre Bill Posters e sobre os seus outros projectos: http://billposters.ch/bio/
https://vimeo.com/user12695491

* Notícias sobre ‘Spectre’ e os vídeos 'deepfake':
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/06/producao-de-videos-falsos-com-uso-de-inteligencia-artificial-liga-alerta-nos-eua.shtml

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Contestar as agroindústrias e os OGM - 2: Visões de mundo antagónicas

2ª parte – Contestar os OGM não é anti-científico, nem imoral
(texto adaptado de post que publiquei no G+ em Março de 2018)

O título da 2ª parte deste post resultou da tradução livre do título de um artigo do pensador e escritor norte-americano Charles Eisenstein, publicado em Janeiro de 2018 no ‘Huffington Post’, em resposta a um outro artigo de opinião do presidente da Universidade de Purdue e ex-governador do estado do Indiana, Mitch Daniels, publicado no ‘Washington Post’ no final de Dezembro de 2017. O artigo de Daniels usou uma argumentação muito semelhante à dos autores do artigo do Observador que mencionei na 1ª parte deste post, daí ter decidido repescar o meu post de 2018. Daniels (tal como Cerqueira e Estrada) defende a utilização de OGM na agricultura, acusando os que se lhe opõem de superstição (por porem em causa a posição de muitos cientistas sobre a segurança dos OGM) e de imoralidade (por pretenderem impedir países em desenvolvimento de aceder às tecnologias que podem impulsionar a agricultura e alimentar os seus povos). Por seu lado, Eisenstein desmonta a argumentação de Daniels a partir de dois pressupostos deste autor: que os OGM são seguros para a saúde e o ambiente, e que a agricultura industrial e intensiva é mais produtiva do que outras formas alternativas ou tradicionais. Eisenstein defende que aqueles pressupostos são baseados, por sua vez, na convicção, não só na validade e imparcialidade do conhecimento científico mas também na capacidade da ciência em avaliar as diferenças entre duas formas de agricultura que dependem de uma multiplicidade de factores que tornam aquela comparação complexa e problemática. Em relação ao primeiro aspecto, Eisenstein afirma que muita da literatura científica que defende a segurança dos OGM para a saúde humana e para o ambiente foi produzida por cientistas com financiamento das agroindústrias ou por investigadores das próprias corporações agroindustriais, para além de faltarem estudos sobre os efeitos de longa duração. Embora um relatório da National Academy of Sciences (NAS) dos EUA publicado em 2016 afirme que os OGM são seguros, muitos outros cientistas e autores têm posto em causa essa posição:
- Livro ‘The GMO deception’, S. Krimsky & J. Gruber (2014):
- Livro ‘Altered genes, twisted truth’ Steven Druker (2015):
- Parecer da ‘European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility’ (ENSSER, 2015): http://www.ensser.org/increasing-public-information/no-scientific-consensus-on-gmo-safety/
- Entrevista à jornalista Carey Gillam (autora do livro ‘Whitewash’ sobre o herbicida glifosato) (2016):
http://www.huffingtonpost.com/paul-thacker/peeling-back-the-curtain-on-monsanto_b_9867902.html
(Gillam desmonta o modo como a Monsanto e os lóbis pró-OGM têm manipulado cientistas, media e decisores políticos, e como promovem sites que atacam todos os que questionam a Monsanto ou os OGM, como ‘GMO answers’, ‘Genetic Literacy Project’ ou ‘Academics Review’)
- Outros artigos que mostram as tácticas da empresa Monsanto para silenciar ou desacreditar críticas aos OGM:
http://progressive.org/magazine/how-the-biotech-industry-cultivates-positive-media/
http://www.nytimes.com/2015/09/06/us/food-industry-enlisted-academics-in-gmo-lobbying-war-emails-show.html?_r=2
Eisenstein escreve: “A oposição aos OGM só faz sentido como parte de uma crítica social mais ampla e de uma crítica da ciência institucional. Se acreditamos que as principais instituições da sociedade são basicamente fidedignas, então é realmente irracional opor-se aos OGM”. (‘Opposition to GMOs only makes sense as part of a larger social critique and critique of institutional science. If you believe that society’s main institutions are basically sound, then it is indeed irrational to oppose GMOs.’)
Em relação ao segundo aspecto, a argumentação de Daniels é ainda mais fácil de desmontar. Defender que uma monocultura OGM é mais produtiva que uma sua equivalente convencional pode ser apoiado por resultados experimentais em casos pontuais, mas é claramente insuficiente para afirmar que o sistema agroindustrial é mais produtivo que outras formas de agricultura em todas as circunstâncias e no longo prazo. Eisenstein realça também as limitações e falácias daquele tipo de comparações. Existem aliás vários estudos que mostram exactamente o contrário (para além dos que são citados por Eisenstein), como o relatório da NAS citado anteriormente (mostra que a produtividade dos OGM não é superior à das culturas convencionais), uma investigação publicada pelo New York Times em 2016 e os relatórios e artigos que citei num post sobre os mitos do sistema agroalimentar e que demonstram as vantagens da agro-ecologia e de outras práticas agrícolas não convencionais. Eisenstein termina o artigo defendendo que a posição de Daniels resulta da sua visão do mundo e do seu enviesamento em relação ao sucesso e benesses do sistema agroindustrial (em tudo semelhantes às dos autores do artigo do Observador): “(…) se aceitarmos que a agricultura industrializada em grande escala é adequada à produção das principais culturas alimentares, então, é natural aceitar todos os complementos tecnológicos, como os OGM, herbicidas, fertilizantes químicos, fungicidas, insecticidas e assim por diante.” (if we take for granted large-scale, industrialized agriculture growing commodity crops, then absolutely it helps to use the full complement of agricultural technology, such as GMOs, herbicides, chemical fertilizers, fungicides, insecticides, and so on). Ser a favor ou contra os OGM não é portanto uma questão de ser a favor ou contra a ciência (e muito menos de moralidade), mas reflecte duas mundivisões antagónicas. Eisenstein defende, de facto, uma visão de mundo e uma forma de agricultura radicalmente diferentes da que Daniels e muitos cientistas subscrevem: “Uma visão diferente do futuro tem vindo a ressurgir (...). Um futuro onde a produção de alimentos é relocalizada, onde muito mais pessoas estão envolvidas na produção agrícola; onde a agricultura deixa se ser encarada como uma profissão humilde, e onde as práticas agrícolas visam regenerar a terra, tornando-se uma extensão da ecologia e não uma excepção à ecologia.” (‘A different vision of the future is emerging (…). It is a future where food production is re-localized, where many more people have their hands in the soil; where farming is no longer seen as a lowly profession, and where agriculture seeks to regenerate the land and become an extension of ecology, not an exception to ecology’).


Adenda: No artigo do Observador os autores põem ainda em causa a defesa pelo PAN das chamadas ‘Terapias não convencionais’ (TNC) assim como a contestação ao abuso na prescrição de Ritalina às crianças. Não querendo alongar ainda mais este post, deixo algumas pistas para desconstruir a argumentação falaciosa de Cerqueira e Estrada:
1. Posicionamento da OMS sobre as TNC e medicinas tradicionais:
2. Perigos da sobremedicação e da prescrição de Ritalina:
Entrevista ao Bastonário da Ordem dos Psicólogos - Alunos sobremedicados: “Não podemos ficar de braços cruzados”: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/alerta-ritalina-nao-podemos-ficar-de-bracos-cruzados-1746256
Crianças XXI – reportagem Linha da Frente (RTP, Fev 2017):
Perigos da sobremedicação de ritalina:
Manifesto “Por uma abordagem não medicalizante nem patologizante da educação” (2012):
Opinião de Adriana Campos (psicóloga, 2014): http://www.educare.pt/opiniao/artigo/ver/?id=27089&langid=1

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Emergência climática - Guterres afunda-se e o planeta também!

Esta é a capa do próximo número da revista Time, cujo tema é a subida dos oceanos devida às alterações climáticas ('Our sinking planet'). A imagem, em que António Guterres surge de fato completo com água pelos joelhos, ilustra mais um apelo dramático aos decisores políticos mundiais sobre "o problema mais urgente que a humanidade enfrenta". A ironia da imagem é ampliada na edição online da revista norte-americana, que apresenta uma versão animada da capa com o nível da água a subir, submergindo lentamente o secretário-geral das Nações Unidas (a animação pode ser vista em algumas das notícias cujos links disponibilizo abaixo). Atendendo à ausência de resultados práticos dos seus sucessivos apelos, bem como das cimeiras e acordos internacionais, este parece de facto ser o destino de muitas regiões do planeta, nomeadamente aquelas que o próprio Guterres visitou recentemente numa viagem pelo Pacífico e que incluiu a ilha de Tuvalu, onde foi captada a fotografia do foto-jornalista Christopher Gregory.
Notícias:
https://www.jn.pt/mundo/interior/time-poe-antonio-gueterres-a-afogar-se-na-capa-da-revista-11007036.html

Por cá, a Assembleia da República aprovou no dia 7 Jun, de forma muito discreta, projectos de resolução do BE e PAN que instam o governo a declarar 'urgência climática'(BE) ou 'emergência climática'(PAN), tendo recolhido votos favoráveis do PSD(!), BE, PAN e Verdes, a abstenção do CDS e PCP, e o voto contra do PS:
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43752
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43743
As propostas de medidas concretas contidas nos dois projectos não foram no entanto aprovadas. Quer se trate de 'emergência' ou de 'urgência', o resultado prático parece ser o mesmo: 'inconsequência'! Vamos deixar que o planeta se afunde e o nível do mar continue a subir? Leia-se esta entrevista recente a Carlos Antunes, investigador da FCUL, onde se fala sobre os cenários para Portugal:
https://ionline.sapo.pt/artigo/659720/carlos-antunes-nao-ha-memoria-coletiva-de-uma-subida-do-nivel-do-mar-como-a-que-vamos-ter-


sexta-feira, 7 de junho de 2019

Contestar as agroindústrias e os OGM – 1: PAN-demónio!


1ª parte: O êxito eleitoral do PAN e a demagogia dos anti-ambientalistas radicais

Decidi recuperar um texto que publiquei o ano passado no Google+ (entretanto desactivado) - ver 2ª parte deste post - a pretexto da recente vaga de comentários depreciativos sobre o PAN, nomeadamente os que criticam as suas posições sobre práticas agrícolas e médicas, acusando-o de ‘populismo pseudocientífico’. De facto, o aumento significativo de votantes e a eleição de um eurodeputado pelo PAN nas recentes eleições europeias parecem ter incomodado várias pessoas, principalmente da ala conservadora nacional, atendendo às reacções mais ou menos virulentas e demagógicas que têm surgido em jornais e blogues (muitos deles conotados com a direita política):
Mesmo não concordando com todas as propostas e posições do PAN, não posso deixar de condenar estas posturas deploráveis que dizem mais sobre quem as faz, do que sobre o alvo dos seus ataques. Desde acusações de ‘animalismo’, ‘ecologismo oportunista’, ‘ultra-radicalismo’, ‘partido de urbano-depressivos comedores de alface’ ou de ‘partido que essencialmente responde a preocupações de urbanos que sonham com o restabelecimento de um paraíso perdido’, tudo tem valido para quem preferia provavelmente ter visto os novos partidos de direita eleger um eurodeputado. Felizmente, outros comentadores bem mais sensatos têm vindo a desconstruir algumas das falácias arremessadas contra aquele partido (algumas vindas também de comentadores da esquerda política):

Mas houve um artigo publicado pelo Observador (o megafone da ‘alt-right’ lusa) que foi particularmente belicoso e falacioso no seu fundamentalismo pró-científico:
Nele os seus autores, que idolatram a tecnociência e as inovações biotecnológicas, afirmam sobre o PAN: “Aproveitando o mar de desinformação das redes sociais que cada vez mais ganha terreno, é o partido das falácias naturalistas, sentimentos quimicofóbicos e anti-sistema, faturando votos com esta nova geração de pessoas preocupadas com o seu bem-estar e com o mundo em geral, mas que desconhecem ou repudiam a ciência que lhes mostra o caminho.” O problema destas personagens sinistras é que têm alguma capacidade argumentativa, mas a sua estratégia típica é atirar com uma barragem de estatísticas, relatórios e artigos (alguns promovidos directa ou indirectamente pelas corporações farmacêuticas ou do agro-negócio) para corroborar a sua agenda escondida - porque não a assumem abertamente -, que é a do grande poder económico e corporativo transnacional, apropriando-se até dos argumentos usados frequentemente para criticar os partidos populistas de direita. Em relação à sua defesa dos OGM e das agroindústrias, e a sua crítica às práticas da agricultura biológica e da agroecologia, deixarei a argumentação para a 2ª parte deste post.
Curiosamente, terminam o artigo assumindo a sua apologia de uma corrente ecofascista que se autodesigna por ‘ecomodernismo’: “Necessitamos de Partidos Ecomodernistas e Promotores da Ciência. Partidos que consigam dar resposta às ansiedades ambientais da população, com as soluções apropriadas, promovendo as tecnologias que estão ao nosso dispor e combatendo a demonização dos populistas relativamente a estas ferramentas. Partidos que se suportem na ciência aquando das tomadas de decisões políticas na saúde, agropecuária, ambiente ou energia.” Esta agenda é defendida por muita gente conotada com o conservadorismo radical tecnófílo, que muitas vezes abraça também a outra agenda igualmente tenebrosa do ‘trans-humanismo’. É preciso denunciar estes grupos por aquilo que efectivamente são: ecofascistas e tecnofascistas que sonham com um futuro distópico em que a humanidade está confinada a mega-cidades governadas por grandes corporações e controladas por sofisticadas tecnologias. Felizmente, já vários autores têm desmontado e denunciado as suas narrativas falaciosas – segue-se lista de artigos para leituras adicionais.

Ecomodernismo:
Derrick Jensen – Critique of the Ecomodernist Manifesto (2015): http://www.derrickjensen.org/2015/11/the-ecomodernist-manifesto-is-a-program-for-genocide-and-ecocide/
Jason Hickel - Ecomodernism, ‘green growth’ and the fallacies of decoupling (Apr 2018): https://www.jasonhickel.org/blog/2018/4/4/the-magical-thinking-of-ecomodernism


Trans-humanismo:
The final chapter in humanity’s perpetual quest to be kitted out in comforting accessories, Andy Martin (2017): http://www.independent.co.uk/news/long_reads/transhumanism-third-thumb-add-ons-naked-ape-contact-lenses-a7909791.html
A ‘post-human’ future? Criticism of ‘transhumanist’ ideology (CGS, 2015):
Manifeste des Chimpanzés du futur contre le transhumanisme, colectivo PMO (2015-2017): https://chimpanzesdufutur.wordpress.com/category/manifeste-des-chimpanzes-du-futur-contre-le-transhumanisme/
Arnaque transhumaniste, arnaque productiviste - Sarah Dubernet (2016):
Una ética de la humildad frente a la tecnociencia, E. Llopis (2016):
O humano do futuro dá medo, Sérgio C. Fanjul (2015):
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/14/ciencia/1444816379_988339.html

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Celebrar o Dia do Ambiente, todos os dias!

Ontem (5 Jun) celebrou-se internacionalmente mais um Dia Mundial do Ambiente, este ano com o tema da poluição do ar:
https://www.unenvironment.org/events/un-environment-event/world-environment-day-2019
https://nacoesunidas.org/onu-e-ministerio-do-meio-ambiente-se-unem-para-combater-poluicao-do-ar-em-dia-mundial/
Com eventos também em Lisboa e noutros pontos do país:
https://zero.ong/venha-conhecer-connosco-exemplos-de-sustentabilidade-em-lisboa-capital-verde-europeia-2020/
Até o presidente Marcelo se apropriou da palavra de ordem das greves estudantis - 'Não há Planeta B' - para assinalar a data:
https://expresso.pt/politica/2019-06-05-Marcelo-subscreve-slogan-ambientalista-Nao-ha-planeta-B
https://www.publico.pt/2019/06/05/p3/noticia/nao-ha-planeta-b-marcelo-adopta-lema-dos-jovens-ambientalistas-1875510
No Vaticano, o Papa assinalou a efeméride e alertou para o problema da pegada ecológica crescente, relembrando os quatro anos que decorreram desde a publicação da sua encíclica 'Laudato Si' (18 Junho 2015), cujas principais mensagens estão longe de terem sido ouvidas e, ainda menos, postas em prática:
https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-06/tuite-papa-francisco-dia-mundial-meio-ambiente.html
https://transicao_ou_disrupcao.blogs.sapo.pt/laudato-si-um-manifesto-politico-sobre-20890
Em Portugal, o dia em que excedemos a capacidade regenerativa do território vai recuando no calendário, tendo ocorrido este ano no dia 28 Maio, segundo estimativas divulgadas pela Zero:
https://zero.ong/zero-alerta-para-o-uso-excessivo-dos-recursos-naturais-em-portugal-overshoot-day-antecipado-em-21-dias/

Aproveito para sugerir visionamento de dois excelentes documentários que retratam de forma tocante a nossa relação com a natureza e com os alimentos, através de belíssimas imagens e histórias:
- 'Terra' de Yann Arthus-Bertrand e Michael Pitiot (2015): https://youtu.be/31P-XBa48K8 (versão dobrada em PT-BR)
- 'Seed - the untold story' de Jon Betz e Taggart Siegel  (2016):
https://vimeo.com/253931223 (versão c/ legendas PT)
Post sobre este último documentário: https://sustentabilidadenaoepalavraeaccao.blogspot.com/2018/02/sementes-preciosas.html
Celebremos então o Dia do Ambiente, todos os dias, o melhor que pudermos, onde e com quem estivermos. Por exemplo, partilhando ou promovendo o visionamento destes documentários.
Finalmente, deixo uma imagem retirada de uma das sequências mais marcantes do documentário 'Terra', que se podia chamar ' o voo do rinoceronte':