segunda-feira, 20 de maio de 2019

Emergência ambiental: decrescentistas propõem pacto de sustentabilidade e bem-estar para a Europa

Em Setembro do ano passado foi publicada uma carta, subscrita por mais de 200 académicos e dirigida às instituições europeias, em antecipação de uma conferência sobre pós-crescimento que teve lugar no Parlamento Europeu em Bruxelas.
Nessa carta, os signatários apelavam à adopção de um pacto de sustentabilidade e bem-estar (como alternativa ao Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE) para promover a transição para uma economia baseada em indicadores ambientais e sociais (como alternativa ao PIB), e que não fosse refém do crescimento.
Essa carta foi transformada numa petição que já angariou mais de 90.000 subscritores (Versão PT).
Aproveitando a aproximação da data das eleições europeias e no dia da cimeira de líderes europeus (9 de Maio, Dia da Europa), os proponentes daquela carta publicaram uma versão actualizada, subscrita por muitos dos signatários da carta original (onde se incluem nomes conhecidos dos decrescentistas: Giorgos Kallis, Paul Ariès, Vincent Liegey, Jason Hickel, Kate Raworth, Giacomo d’Alisa, Tim Jackson), mas também por líderes da sociedade civil e autarcas, especialistas em mudança sistémica (membros do ‘European Environmental Bureau’) (uma versão PT está disponível aqui).
A nova missiva propõe três grandes mudanças sistémicas para lidar com a crise tríplice da mudança climática, da extinção de biodiversidade e da desigualdade, apoiadas em listas de exigências concretas dirigidas aos decisores políticos locais, nacionais e europeus:
- Destronar o ‘rei PIB’ e coroar a ‘rainha Bem-Estar’: abandonar de vez a fixação no crescimento económico e recentrar a governança no bem-estar humano e ecológico, promovendo a prosperidade sem crescimento e transformando o infame PEC num Pacto de Sustentabilidade e Bem-Estar.
- Passar dos ‘paraísos fiscais’ para poucos para a redistribuição para muitos: taxando mais a riqueza e menos o trabalho, e parando de subsidiar e taxando os poluidores.
- Produtos eficientes são bons, soluções suficientes são melhores ainda: complementar as políticas de eficiência com a promoção da suficiência, da durabilidade e da circularidade (‘zero waste’), para evitar a exclusão social e cultural e favorecer a sustentabilidade.

Os signatários afirmam que as iniciativas internacionais (como o Acordo de Paris ou os Objectivos da Desenvolvimento Sustentável da ONU) e as medidas propostas por governos nacionais são insuficientes para resolver os tremendos desafios sociais e ambientais, citando um artigo muito recente publicado na revista ‘Science’ onde os autores (22 especialistas mundiais das ciências da terra e do clima) corroboram esta afirmação e apoiam os protestos dos jovens e as suas reivindicações.
Excertos: “The current measures for protecting the climate and biosphere are deeply inadequate. (…) Many social, technological, and nature-based solutions already exist. The young protesters rightfully demand that these solutions be used to achieve a sustainable society. (…) Policies are needed to make climate-friendly and sustainable action simple and cost-effective and make climate-damaging action unattractive and expensive. (…) A socially fair distribution of the costs and benefits of climate action will require deliberate attention, but it is both possible and essential. (…) Only if humanity acts quickly and resolutely can we limit global warming, halt the ongoing mass extinction of animal and plant species, and preserve the natural basis for the food supply and well-being of present and future generations. This is what the young people want to achieve. They deserve our respect and full support.”
Finalmente, os signatários da nova carta defendem que só uma transição para uma economia pós-crescentista que dê prioridade aos limites ecológicos, ao bem-estar humano e à justiça social e intergeracional, garantirá a mitigação das crises social e ambiental globais.

Recentemente, têm surgido outras propostas oriundas de diversos sectores da sociedade civil e da esquerda política, duas das quais citei num post anterior:
Climate Action Call’ (grupos e organizações da sociedade civil europeia):
Climate Emergency Manifesto’ (grupo GUE/NGL do Parlamento Europeu):
No entanto, apenas o segundo documento faz referência ao modelo económico, pondo em causa a sua dependência do crescimento permanente e da mercantilização.

Concluo com uma referência a iniciativas provenientes de sectores da Igreja Católica que têm também divulgado algumas propostas abrangentes para enfrentar as crises económica, social e ecológica interligadas, na sequência do desafio lançado pelo Papa Francisco com a sua encíclica ‘Laudato Si’ de 2015. Em particular, o relatório ‘The climate urgency: setting sail for a new paradigm’ da plataforma internacional de organizações sociais católicas CIDSE, publicado em Setembro de 2018, faz propostas muito concretas de transições profundas nos sectores da produção energética e agroalimentar. Os autores do relatório apelam também à rejeição do imperativo do crescimento destrutivo pelo actual sistema político e económico e a uma mudança cultural para uma sociedade baseada na suficiência e em formas de democracia participativa: “We need a different system as a whole. This requires new narratives, a different cultural approach – putting sufficiency at its heart – and of course, transforming our political and economic systems – away from the destructive growth imperative that lies at the heart of the current system. CIDSE’s arguments and vision for a new paradigm are based on values such as integral ecology, justice, and good governance, as also defined by Catholic Social Teaching and in the Papal Encyclical Laudato SI’. Equity, Common But Differentiated Responsibilities, as well as communities’ involvement and participation in decision-making processes are some of the principles that must lie at the heart of the change needed.”
O Papa Francisco acabou de publicar uma carta dirigida a jovens economistas e empreendedores desafiando-os a construir um pacto global para uma nova economia “que dá vida e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a destrói”. Nesta missiva o Papa convida os jovens a participar num encontro que decorrerá em Março de 2020 (‘Economy of Francesco’) e declara que “tudo está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações.”

Uma vez mais, o paradigma hegemónico do crescimento é posto em causa e parece estar assim a formar-se um consenso alargado sobre a necessidade imperativa de mudar o sistema económico para a construção de sociedades humanas sustentáveis. Agora só precisamos de definir como se porão em prática as medidas concretas que nos coloquem no caminho certo e quem as implementará.

Sem comentários:

Enviar um comentário