sábado, 5 de outubro de 2019

Legislativas 2019: mais uma oportunidade perdida

Há quatro anos atrás escrevi um post desencantado nas vésperas das Legislativas de 2015. Hoje, após um governo de ‘geringonça’ liderado por António Costa e de uma aparente recuperação económica e social desde os anos de austeridade da ‘troika’ e do governo Passos Coelho, o meu estado de espírito não é muito diferente. Mais uma vez nos encontramos na eminência da continuidade do ‘arco da governação’, baseado nos partidos que se revezam no poder há décadas (PS e PSD, c/ ou s/ CDS) (ver p.ex. aqui). Pelo menos a julgar pelas sondagens com que somos continuamente massacrados - que de pouco servem, seja para promover a participação ou uma verdadeira possibilidade de mudança. É que apesar de haver quem defenda que a ‘geringonça’ pressionada pelo BE e o PCP tem conseguido reverter o descalabro social da era troika-Passos, esquece-se que muito do caminho trilhado na prossecução da agenda neoliberal já vinha do governo Sócrates e o próprio PS de Costa tem promovido uma agenda pouco ‘progressista’, com o conluio do PSD – veja-se, por exemplo, as alterações ao Código de Trabalho aprovadas pelo PS, com os votos contra de BE e PCP e a abstenção do PSD e CDS, e que configuram um ‘regresso ao passado’ na desregulação e degradação das condições do trabalho e na manutenção da sua precarização, segundo opinião do jurista Garcia Pereira.
Depois tivemos, para além das ‘campanhas políticas’ recheadas das marcas evidentes do ‘marketing’, desde o slogan ‘faz sentido’ do CDS ao ‘faz acontecer’ do BE, e dos habituais comícios, almoços ou jantares-convívio e arruadas, uma ‘cobertura mediática’ centrada, como é também habitual, nos partidos com assento na AR – a desproporcionalidade foi tão evidente que o próprio Marcelo se pronunciou. Uma novidade desta campanha, foi a entrada do tema da crise climática nos programas partidários, nos discursos dos seus líderes e nos debates, a que não terão sido alheias as recentes grandes mobilizações internacionais. No entanto, as propostas de mudanças profundas no sistema económico-financeiro e produtivo, que seriam indispensáveis para uma resolução séria e duradoura da catástrofe ecológica mais abrangente, continuam a ser empurradas para as calendas. Uma outra novidade foram as assanhadas campanhas de descredibilização dirigidas ao PAN, em particular por comentadores da direita política (ver p.ex. aqui), e que já tinham sido iniciadas após os resultados das Eleições Europeias (ver p.ex. este post ou aqui). Mesmo reconhecendo algumas incoerências e desequilíbrios no discurso e programa do PAN, aqueles ataques parecem-me descabidos e apenas justificáveis pelo facto dos partidários daquela facção ideológica (embora também tenha havido reacções de gente da esquerda) se terem apercebido da ameaça que este partido constitui às suas próprias ambições políticas e de poder.
E depois há a questão do próprio sistema político baseado na democracia representativa, dominada pelos partidos e por interesses vários, e do sistema eleitoral: verdadeiras 'vacas sagradas’ que poucos se atrevem a querer mudar, por mais que seja evidente que já não servem os interesses dos cidadãos ou o bem-comum. Também escrevi sobre isso anteriormente. Continuo a subscrever o que escrevi no último parágrafo do post de há quatro anos atrás, mas irei desta vez votar num pequeno partido, embora com pouca convicção de que essa decisão faça alguma diferença. Na segunda-feira prosseguirá portanto a programação habitual.
Recupero para fechar dois vídeos menos recentes, um protagonizado por José Saramago (2005) e outro pelo 'rapper' Walid El Sayed (2011), mas que continuam a descrever adequadamente a situação em que nos encontramos: ver aqui e aqui.

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