quinta-feira, 28 de março de 2019

A crise climática e a ‘vontade política’

[Post publicado no G+ em 17 Out 2018]
Existirá de facto 'vontade política' entre os líderes mundiais para resolver a crise climática global? Vem esta pergunta a propósito do lançamento de mais uma Comissão Internacional para o Clima – a ‘Global Commission on Adaptation, promovida pelo governo holandês, sobre a qual surgiram algumas notícias:
https://www.esquerda.net/artigo/chegamos-um-ponto-sem-retorno-nas-alteracoes-climaticas/57545
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/nova-comissao-internacional-junta-notaveis-para-convencer-mundo-a-adaptar-se-ao-clima
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/16/leaders-move-past-trump-to-protect-world-from-climate-change
Segundo as palavras do ex-secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, que será um dos membros da comissão: “As alterações climáticas (AC) estão a acontecer muito, muito mais depressa do que pensamos. Mas se existir vontade política, tudo pode ser feito”. Outros dois nomes sonantes pertencentes à mesma comissão são o famigerado filantrocapitalista Bill Gates e a actual directora do Banco Mundial, Kristalina Georgieva. E é logo aqui que a porca começa a torcer o rabo!... Os líderes de corporações ou instituições que promovem o actual modelo económico que está na origem da crise climática, propõem-se agora trazer a salvação para o problema que criaram – a adaptação! Trata-se declaradamente duma nova versão, ainda mais perversa, da velha máxima ‘Adapt or die’. Os objectivos da dita comissão são claros: uma vez que a eficácia da mitigação está a ser posta em causa pela falta de ‘vontade política’ dos líderes governamentais, como é aliás referido nas conclusões do último relatório do IPCC (divulgado no início de Out 2018), esta comissão propõe-se promover a acção e o investimento na adaptação às AC. A questão da ‘vontade política’ surgiu de facto em força nas reacções ao relatório do IPCC - ver p.ex.:
https://www.publico.pt/2018/10/08/ciencia/entrevista/no-combate-as-alteracoes-climaticas-o-que-vai-fazer-a-diferenca-e-a-vontade-politica-dos-paises-1846493
https://www.theguardian.com/environment/2018/oct/08/world-leaders-have-moral-obligation-to-act-after-un-climate-report
Como escreveu recentemente a eurodeputada pelo BE Marisa Matias a esse propósito: “A política que temos face às alterações climáticas está a matar-nos lentamente. Os governos estão a responder às alterações climáticas mais ou menos como responderam à crise financeira: ignoram a existência do problema até que seja tarde demais.”
Mas esta nova comissão quer fazer a diferença e o dinheiro não será problema – segundo declarações de Ban Ki-moon citado no 'The Guardian': “The costs of adapting are less than the cost of doing business as usual and the benefits are many times larger. (...) I don’t think it is a matter of [getting the] money. The money can be mobilised. If there is political will, I think we can handle this matter.”
Portanto ficamos a saber que não há ‘vontade política’ para a mitigação, mas já haverá para a adaptação e as luminárias desta comissão irão fazer tudo o que está ao seu alcance para tornar esse desiderato uma realidade!
O químico norte-americano e especialista em AC Will Steffen, que deu recentemente uma palestra no Porto, afirmou liminarmente na ocasião, em resposta a uma pergunta da audiência, que o sistema político e económico actual é incapaz de lidar com a crise ambiental global. Portanto, não tenhamos ilusões de que a acção política indispensável para enfrentarmos o problema gigante que temos entre mãos terá de vir dos cidadãos, das iniciativas e movimentos locais ou regionais e eventualmente do poder político local pressionado pelas populações. Se deixarmos o galinheiro nas mãos das raposas, a coisa não vai certamente correr bem...

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