Em Setembro do ano passado foi publicada uma carta, subscrita
por mais de 200 académicos e dirigida às instituições europeias, em antecipação
de uma conferência sobre pós-crescimento que teve lugar no Parlamento Europeu em
Bruxelas.
Nessa carta, os signatários apelavam à adopção de um pacto de sustentabilidade e bem-estar (como
alternativa ao Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE) para promover a
transição para uma economia baseada em indicadores ambientais e sociais (como
alternativa ao PIB), e que não fosse refém do crescimento.
Essa carta foi transformada numa petição que já angariou
mais de 90.000 subscritores (Versão PT).
Aproveitando a aproximação da data das eleições europeias e
no dia da cimeira de líderes europeus (9 de Maio, Dia da Europa), os
proponentes daquela carta publicaram uma versão actualizada, subscrita por
muitos dos signatários da carta original (onde se incluem nomes conhecidos dos
decrescentistas: Giorgos Kallis, Paul Ariès, Vincent Liegey, Jason Hickel, Kate
Raworth, Giacomo d’Alisa, Tim Jackson), mas também por líderes da sociedade
civil e autarcas, especialistas em mudança sistémica (membros do ‘European
Environmental Bureau’) (uma versão PT está disponível aqui).
A nova missiva propõe três grandes mudanças sistémicas para
lidar com a crise tríplice da mudança climática, da extinção de biodiversidade
e da desigualdade, apoiadas em listas de exigências concretas dirigidas aos
decisores políticos locais, nacionais e europeus:
- Destronar o ‘rei PIB’ e coroar a ‘rainha Bem-Estar’: abandonar
de vez a fixação no crescimento económico e recentrar a governança no bem-estar
humano e ecológico, promovendo a prosperidade sem crescimento e transformando o
infame PEC num Pacto de Sustentabilidade e Bem-Estar.
- Passar dos ‘paraísos fiscais’ para poucos para a
redistribuição para muitos: taxando mais a riqueza e menos o trabalho, e
parando de subsidiar e taxando os poluidores.
- Produtos eficientes são bons, soluções suficientes são
melhores ainda: complementar as políticas de eficiência com a promoção da
suficiência, da durabilidade e da circularidade (‘zero waste’), para evitar a
exclusão social e cultural e favorecer a sustentabilidade.
Os signatários afirmam que as iniciativas internacionais
(como o Acordo de Paris ou os Objectivos da Desenvolvimento Sustentável da ONU)
e as medidas propostas por governos nacionais são insuficientes para resolver
os tremendos desafios sociais e ambientais, citando um artigo muito recente publicado
na revista ‘Science’ onde os autores (22 especialistas mundiais das ciências da
terra e do clima) corroboram esta afirmação e apoiam os protestos dos jovens e as
suas reivindicações.
Excertos: “The
current measures for protecting the climate and biosphere are deeply
inadequate. (…) Many social, technological, and nature-based solutions
already exist. The young
protesters rightfully demand that these solutions be used to achieve a
sustainable society. (…) Policies are needed to make climate-friendly and
sustainable action simple and cost-effective and make climate-damaging action
unattractive and expensive. (…) A socially fair distribution of the costs and
benefits of climate action will require deliberate attention, but it is both
possible and essential. (…) Only if humanity acts quickly and resolutely can we
limit global warming, halt the ongoing mass extinction of animal and plant
species, and preserve the natural basis for the food supply and well-being of
present and future generations. This is what the young people want to achieve. They
deserve our respect and full support.”
Finalmente, os signatários da nova carta defendem que só uma
transição para uma economia pós-crescentista que dê prioridade aos limites
ecológicos, ao bem-estar humano e à justiça social e intergeracional, garantirá
a mitigação das crises social e ambiental globais.
Recentemente, têm surgido outras propostas oriundas de
diversos sectores da sociedade civil e da esquerda política, duas das quais citei
num post anterior:
No entanto, apenas o segundo documento faz referência ao
modelo económico, pondo em causa a sua dependência do crescimento permanente e
da mercantilização.
Concluo com uma referência a iniciativas provenientes de
sectores da Igreja Católica que têm também divulgado algumas propostas
abrangentes para enfrentar as crises económica, social e ecológica
interligadas, na sequência do desafio lançado pelo Papa Francisco com a sua
encíclica ‘Laudato Si’ de 2015. Em particular, o relatório ‘The climate urgency: setting
sail for a new paradigm’ da plataforma internacional de organizações sociais
católicas CIDSE, publicado em Setembro de 2018, faz propostas muito concretas de
transições profundas nos sectores da produção energética e agroalimentar. Os autores do relatório apelam também à rejeição do
imperativo do crescimento destrutivo pelo actual sistema político e económico e a
uma mudança cultural para uma sociedade baseada na suficiência e em formas de
democracia participativa: “We need a different system as a whole. This requires new narratives, a
different cultural approach – putting sufficiency at its heart – and of course,
transforming our political and economic systems – away from the destructive
growth imperative that lies at the heart of the current system. CIDSE’s
arguments and vision for a new paradigm are based on values such as integral
ecology, justice, and good governance, as also defined by Catholic Social
Teaching and in the Papal Encyclical Laudato SI’. Equity, Common But
Differentiated Responsibilities, as well as communities’ involvement and
participation in decision-making processes are some of the principles that must
lie at the heart of the change needed.”
O Papa Francisco acabou de publicar uma carta dirigida a
jovens economistas e empreendedores desafiando-os a construir um pacto global
para uma nova economia “que dá vida e não mata, inclui e não exclui, humaniza e
não desumaniza, cuida da criação e não a destrói”. Nesta missiva o Papa convida os jovens a participar num encontro
que decorrerá em Março de 2020 (‘Economy of Francesco’) e declara que “tudo
está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da
justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia
mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes
de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da
família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras
gerações.”
Uma vez mais, o paradigma hegemónico do crescimento é posto em causa e parece estar assim a formar-se um consenso alargado sobre a
necessidade imperativa de mudar o sistema económico para a construção de
sociedades humanas sustentáveis. Agora só precisamos de definir como se porão em
prática as medidas concretas que nos coloquem no caminho certo e quem as
implementará.