quinta-feira, 23 de abril de 2020

Anuncia-se a reabertura da economia!

Depois ter proibido a Páscoa e da novela em torno do cancelamento ou não das comemorações do 25 de Abril, o Costa (juntando-se a outros grandes líderes mundiais*) vai mandar reabrir a economia:
https://rr.sapo.pt/2020/04/22/economia/costa-vai-anunciar-reabertura-da-economia-mas-temos-de-estar-preparados-para-recuar/noticia/190281/
https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2020-04-17-Governo-esta-a-preparar-a-reabertura-da-economia
Como se ela tivesse fechado - tipo a época da caça ou a época balnear - e agora precisasse de ser reaberta... Será com alguma pompa e circunstância? Alguma festa com celebridades e futebolistas? Haverá corta-fitas? Parece afinal que não, que será tudo com contenção, moderação e o sacrossanto 'distanciamento social', não vá o corona estragar a festa.
Mas espera lá - então os portugueses não têm estado todos obedientemente teletrabalhando no recato das suas casinhas? Tudo afanosamente frente aos teclados e ecrans, 'zoomando' aulas, reuniões, workshops, webinars e até concertos e peças de teatro? E não há ainda todos aqueles heróis trabalhando arduamente nos hospitais, nos campos, nos supermercados, nas obras - porque muitos desses escapam à miopia social, excepção feita às palminhas ao cair da noite - e não há teletrabalho que lhes valha? Sim, mas essa é a economia dos bens essenciais e das verdadeiras necessidades!... E não é, pelos vistos, a tal 'economia' que irá ser reaberta**. Essa será a economia do consumismo e do espectáculo, das viagens e dos festivais, dos shoppings e dos futebóis, dos turistas e 'city users', dos empreendorismos e startups, do excesso e do desperdício. Aliás o Costa já veio tranquilizar os 'líderes' do sector turístico (que, dizem-nos, estava a crescer a dois dígitos!...) onde irá continuar a apostar desde que se recupere a confiança - algo que a ele não lhe falta, quando afirma que "o turismo em Portugal vai voltar a ser de ouro".*** Lá está - finalmente o 'regresso à normalidade'! Como se não houvesse amanhã! Sim, porque aquela coisa de haver uns chatos duns cientistas e duns jovens irritantes a dizerem que o clima já não é o que era, que as florestas e os animais estão a desaparecer e que os solos já não aguentam mais culturas intensivas e fertilizantes químicos, tudo por causa de inúmeras actividades económicas insustentáveis, isso é conversa de gente que quer travar a 'economia', fazer colapsar 'os mercados' e interromper as 'cadeias de criação de valor'. Sim, porque essa tal outra 'economia' precisa de crescer para sempre, caso contrário os bancos vão à falência, os mercados ficam 'zangados' ou 'mal dispostos' e os senhores bilionários deixam de acumular mais uns zeros nas suas contas bancárias, e aí não haverá economias para ninguém!... Ou será que isto é apenas um conto de fadas, uma história da carochinha para entreter adultos infantilizados e intoxicados pelos media, o marketing e as redes sociais?
Já escrevi várias vezes sobre estes tópicos - aqui, aqui, aqui ou aqui - por isso dispenso-me de mais explicações.
Temos uma escolha - sempre a tivemos - perceber que há uma oportunidade para mudar algumas coisas na vossa vida individual e colectiva, ou ceder aos oportunismos daqueles que não querem mudar coisa nenhuma.


* Parece que houve para aí uns 'líderes' que não queriam que a economia tivesse fechado e agora querem reabri-la à força toda...
** Para se perceber melhor o que os 'economistas' entendem por uma reabertura como deve ser, leia-se esta prosa aprimorada de economês neoclássico que apresenta o plano para a retoma de um grande arauto da narrativa do 'establishment':
(repare-se no pormenor da notícia ser patrocinada pela Santa Casa - mas claro que isso é apenas má-lingua da minha parte!)
*** O Turismo de Portugal, essa agência de viagens e de imobiliário patrimonial paga com dinheiros públicos, já preparou uma linda campanha para a retoma (é espantoso como as equipas de marketing nunca perdem a criatividade mesmo durante uma pandemia):

1 comentário:

  1. De facto, o prof Mateus faz jus aos epítetos "generosos" que o Álvaro referiu. Todo o seu discurso se centra nas empresas e na necessidade de as apoiar. Então e as pessoas? Não, elas não merecem deste guru do neoliberalismo mais que uma vaga alusão de que "é preciso relançar a procura". Até se dispensa de explicar como. As pessoas para ele e para o sistema nem sequer existem. A única coisa que existe e é necessário capitalizar são as empresas. As pessoas que se lixem. Ora, com o tremendo aumento do desemprego, subemprego e precariedade, as pessoas não têm poder de compra. Assim, as empresas vão relançar-se para quê???

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