A palavra ‘decrescimento’ é utilizada e defendida há já algumas décadas por vários pensadores e académicos (principalmente das áreas da ecologia política e da economia ecológica), mas também por numerosos activistas, como uma crítica radical à ideologia do crescimento (económico) e à economia de mercado globalizada, que conduziram às actuais sociedades do consumo e do desperdício. A palavra gera desconforto e perplexidade e é exactamente por isso que é usada - para provocar questionamento e debate em relação à hegemonia da palavra ‘crescimento’, usada e abusada para justificar todo o tipo de barbaridades sociais e ambientais. E também porque é uma palavra que dificilmente pode ser distorcida ou apropriada (ao contrário, por exemplo, da palavra sustentabilidade que tem sido usada para validar políticas supostamente reformistas mas que são meras estratégias cosméticas para manter o actual paradigma económico).
A este propósito recomendo o visionamento deste vídeo curto que explica a razão da escolha daquela palavra pelos decrescentistas:
http://www.youtube.com/watch?v=kWEBVdxppGs (5 min, francês c/ leg. PT)
O problema do crescimento é, por um lado, a narrativa dominante (e intoxicante) que o conotou com as noções (equivocadas ou desvirtuadas) de desenvolvimento, progresso e bem-estar e, por outro lado, a questão dos limites físicos/ambientais, que o actual sistema quer fazer crer que não existem. Recordo a este respeito uma citação famosa do biológo Paul Ehrlich: “Perpetual growth is the creed of the cancer cell” (O crescimento perpétuo é o credo da célula cancerosa). A questão é que já ultrapassámos (refiro-me naturalmente aos países ditos ‘desenvolvidos’) vários limites ecológicos, algo que já se sabe há várias décadas - leia-se p.ex. o famoso relatório do Clube de Roma ‘The limits to growth’ publicado pela 1ª vez em 1972 ou as suas actualizações posteriores, ou o mais recente ‘World scientists’ warning to humanity’ (2017). No entanto, os poderes político e económico (apoiados pelos media ‘mainstream’) têm feito todos os esforços por menosprezar ou escamotear estas evidências.
Infelizmente, temos andado a viver acima das nossas possibilidades (mais uma vez, apenas uma parte privilegiada da humanidade), mas ficámos viciados num sistema que está a conduzir à rotura social e ecológica, comportando-nos como verdadeiros toxicodependentes que não querem aceitar a sua condição. E estamos claramente a precisar de uma cura de desintoxicação.
Por isso, o decrescimento é um caminho necessário para evitarmos uma catástrofe ainda maior. Mas não se trata forçosamente de um caminho de sofrimento ou de retrocesso, mas sim uma recuperação de valores ligados à frugalidade, à simplicidade e à convivialidade, que podem fomentar modos de vida mais plenos, satisfatórios e sustentáveis. Recordo que vários pensadores, como Ivan Illich ou Gandhi, ou líderes religiosos, como o Papa Francisco, têm feito apelo a estes outros modos de vida.
Embora a palavra decrescimento possa provocar uma rejeição por muitas pessoas que só lhe atribuem conotações negativas, creio que existe a possibilidade de um debate racional para tentar convencê-las do contrário. A irracionalidade e emotividade exageradas têm vindo aliás a contaminar o debate público, que tende a ficar pela superficialidade, o imediatismo ou o radicalismo, que impedem qualquer possibilidade de construção de uma sociedade plural, cordial e fraterna.
Este foi um dos temas abordados nos encontros promovidos pela Rede para o Decrecimento que aconteceram nos dias 14 e 15 Set de 2018 em Lisboa: https://www.facebook.com/events/256874924959338/
Finalmente, convém realçar que o decrescimento não subscreve incondicionalmente as soluções equivocadas ou insuficientes como o desenvolvimento sustentável, o capitalismo verde, a transição energética ou a redistribuição de rendimentos, algumas delas defendidas por largos sectores da esquerda (que rejeitam aliás algumas das ideias-base do decrescimento), porque não põem em causa nem o produtivismo ou o extractivismo do modelo industrial, nem o mercado ‘livre’ globalizado, nem o consumismo ou o desperdício.
Aproveito para destacar mais um artigo recente sobre o decrescimento, desta feita publicado no Jornal Mapa (mais um exemplo de bom jornalismo alternativo e independente), que resume muito bem algumas das questões que abordei e divulga a intenção de criar um rede nacional sobre o tema (que foi apresentada também nos encontros de Lisboa):
http://www.jornalmapa.pt/2018/09/10/decrescimento-escolha-ou-inevitabilidade/
Outros artigos/posts sobre Decrescimento (em português):
http://novas.gal/redes-decrescentistas/
https://pt.slideshare.net/jorgemoreira54966/decrescimento-crescer-no-essencial-jorge-moreira-revista-o-instalador-270
http://transicaodisrupcao2021.blogs.sapo.pt/decrescimento-e-rendimento-basico-24759
http://sustentabilidadenaoepalavraeaccao.blogspot.pt/2017/11/o-decrescimento.html
https://outraspalavras.net/sem-categoria/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/
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