Segundo os proponentes do Decrescimento, as modernas sociedades industriais e mercantis estão apoiadas em quatro pilares principais: a acessibilidade (até agora...) de fontes de energia abundantes e de extracção pouco custosa (combustíveis fósseis); a disponibilidade de crédito (concedido por instituições financeiras) que permite o acesso a bens, quer essenciais, quer supérfluos; a obsolescência programada que garante a efemeridade dos bens de consumo produzidos industrialmente; e a propaganda (publicidade/marketing) que instiga o desejo de consumo, transformando os cidadãos em consumidores compulsivos. O objectivo deste modelo é o famigerado 'crescimento económico' (medido por um parâmetro reconhecidamente distorcido como o PIB), que deveria conduzir ao bem-estar colectivo. Acontece que o resultado é bem diverso, patente nas actuais crises social e ambiental sem precedentes - só não vê quem não quer ver (ou tem muito a perder). E os impactos psicológicos são igualmente evidentes, em particular nos países ditos desenvolvidos. Como bem sabemos, o consumo compulsivo e a acumulação de bens materiais não trazem a felicidade.
Recomendo a leitura de escritos de três autores/pensadores contemporâneos que, tal como os decrescentistas, fazem uma crítica feroz às modernas sociedades industriais e produtivistas, viciadas no consumo e no desperdício, e que defendem uma desintoxicação das suas populações privilegiadas.
Um é o cineasta e pensador italiano Pier Paolo Pasolini, que muitos conhecem pelos seus filmes polémicos mas menos pelas suas ideias desafiadoras e verdadeiramente revolucionárias - na euforia dos anos 70 eram poucos os que se atreviam a criticar o consumismo nascente. Partilho dois artigos sobre os seus escritos onde sobressaem as suas críticas ao capitalismo e à sociedade de consumo:
'La verdad a cualquier precio', A. Muñoz Molina (sobre trad ES de ‘Vulgar lengua’):
"Pasolini se dio cuenta antes que nadie de la devastación espiritual que la economía de consumo masivo podría traer consigo."
Tradução da carta de Pasolini a I. Calvino: ‘Mesquinhez da história e imensidão do mundo camponês’.
O outro autor é o jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet de quem partilho o texto 'Adeus ao consumismo?' (tradução brasileira) onde ele dá vários exemplos de pessoas que iniciaram verdadeiros processos de desintoxicação e que mostram que é possível atingir um outro nível de consciência. Excertos:
"O consumismo é consumir consumo. É uma atitude impulsiva onde não importa o que é comprado, a questão é comprar. Na realidade, vivemos na sociedade do desperdício, desperdiçamos absurdamente. Ante essa aberração, o minimalismo de consumo é um movimento mundial que propõe comprar somente o necessário. (…) A sociedade de consumo (...) associada ao capitalismo predatório, é sinônimo de desperdício e esbanjamento irresponsável. Os objetos desnecessários nos asfixiam. E asfixiam o planeta. É algo que o planeta já não pode suportar. Porque os recursos se esgotam. E se contaminam. Inclusive aqueles que existem em abundância (ar, água doce, oceanos…). E frente à cegueira de muitos governos, é chegada a hora de uma ação coletiva dos cidadãos, a favor de um desconsumo radical."
Finalmente o livre-pensador Ivan Illich, crítico das sociedades industriais e mercantis e fonte de inspiração para o Decrescimento. No seu ensaio 'O desemprego útil e os seus inimigos profissionais' (1977) faz uma análise do modelo social do ocidente que, ao promover a profissionalização de quase todas as actividades humanas e a criação de necessidades supérfluas, gerou uma 'pobreza modernizada' inibitória da cidadania e da emancipação. O autor define esta nova forma de pobreza como uma condição do moderno crescimento económico, em que os cidadãos se tornam inúteis a não ser que exerçam uma profissão ou disponham de poder de compra (capacidade de consumo). Illich defende uma "abordagem totalmente nova da inter-relação entre necessidades e satisfações", permitindo "às pessoas moldar e satisfazer uma proporção cada vez maior das suas necessidades de forma directa e pessoal" e promovendo uma "austeridade convivial" que inspire a sociedade "a proteger o valor de uso contra o enriquecimento que incapacita". Este ensaio integra a colectânea 'Para uma história das necessidades', publicada pelas Edições Sempre-em-pé em 2018:
https://www.academia.edu/35846713/Ivan_ILLICH_PARA_UMA_HIST%C3%93RIA_DAS_NECESSIDADES._Ed._Sempre-em-P%C3%A9._2018
https://sustainabilitypopulareducation.wordpress.com/2014/06/28/the-right-to-useful-unemployment/
https://www.workingnowandthen.com/scholarstudent/reviews/ivan-illich-the-right-to-useful-unemployment/
Nota final: O cartoon do início do post foi respigado de polyp.org.uk e o que se encontra abaixo é da autoria do artista romeno Dan Perjovschi.
Recomendo a leitura de escritos de três autores/pensadores contemporâneos que, tal como os decrescentistas, fazem uma crítica feroz às modernas sociedades industriais e produtivistas, viciadas no consumo e no desperdício, e que defendem uma desintoxicação das suas populações privilegiadas.
Um é o cineasta e pensador italiano Pier Paolo Pasolini, que muitos conhecem pelos seus filmes polémicos mas menos pelas suas ideias desafiadoras e verdadeiramente revolucionárias - na euforia dos anos 70 eram poucos os que se atreviam a criticar o consumismo nascente. Partilho dois artigos sobre os seus escritos onde sobressaem as suas críticas ao capitalismo e à sociedade de consumo:
'La verdad a cualquier precio', A. Muñoz Molina (sobre trad ES de ‘Vulgar lengua’):
"Pasolini se dio cuenta antes que nadie de la devastación espiritual que la economía de consumo masivo podría traer consigo."
Tradução da carta de Pasolini a I. Calvino: ‘Mesquinhez da história e imensidão do mundo camponês’.
O outro autor é o jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet de quem partilho o texto 'Adeus ao consumismo?' (tradução brasileira) onde ele dá vários exemplos de pessoas que iniciaram verdadeiros processos de desintoxicação e que mostram que é possível atingir um outro nível de consciência. Excertos:
"O consumismo é consumir consumo. É uma atitude impulsiva onde não importa o que é comprado, a questão é comprar. Na realidade, vivemos na sociedade do desperdício, desperdiçamos absurdamente. Ante essa aberração, o minimalismo de consumo é um movimento mundial que propõe comprar somente o necessário. (…) A sociedade de consumo (...) associada ao capitalismo predatório, é sinônimo de desperdício e esbanjamento irresponsável. Os objetos desnecessários nos asfixiam. E asfixiam o planeta. É algo que o planeta já não pode suportar. Porque os recursos se esgotam. E se contaminam. Inclusive aqueles que existem em abundância (ar, água doce, oceanos…). E frente à cegueira de muitos governos, é chegada a hora de uma ação coletiva dos cidadãos, a favor de um desconsumo radical."
Finalmente o livre-pensador Ivan Illich, crítico das sociedades industriais e mercantis e fonte de inspiração para o Decrescimento. No seu ensaio 'O desemprego útil e os seus inimigos profissionais' (1977) faz uma análise do modelo social do ocidente que, ao promover a profissionalização de quase todas as actividades humanas e a criação de necessidades supérfluas, gerou uma 'pobreza modernizada' inibitória da cidadania e da emancipação. O autor define esta nova forma de pobreza como uma condição do moderno crescimento económico, em que os cidadãos se tornam inúteis a não ser que exerçam uma profissão ou disponham de poder de compra (capacidade de consumo). Illich defende uma "abordagem totalmente nova da inter-relação entre necessidades e satisfações", permitindo "às pessoas moldar e satisfazer uma proporção cada vez maior das suas necessidades de forma directa e pessoal" e promovendo uma "austeridade convivial" que inspire a sociedade "a proteger o valor de uso contra o enriquecimento que incapacita". Este ensaio integra a colectânea 'Para uma história das necessidades', publicada pelas Edições Sempre-em-pé em 2018:
https://www.academia.edu/35846713/Ivan_ILLICH_PARA_UMA_HIST%C3%93RIA_DAS_NECESSIDADES._Ed._Sempre-em-P%C3%A9._2018
https://sustainabilitypopulareducation.wordpress.com/2014/06/28/the-right-to-useful-unemployment/
https://www.workingnowandthen.com/scholarstudent/reviews/ivan-illich-the-right-to-useful-unemployment/
Nota final: O cartoon do início do post foi respigado de polyp.org.uk e o que se encontra abaixo é da autoria do artista romeno Dan Perjovschi.
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