terça-feira, 12 de novembro de 2019

Sociedade sem limites: logro e irresponsabilidade

O mantra 'não há limites' ('no limits') é o lema do actual modelo social e económico hegemónico que quer fazer crer aos mais crédulos ou mal informados (ou iludidos) que a economia pode crescer para sempre e que o génio criativo humano vai conseguir resolver todos os problemas que o sistema económico e tecno-industrial tem criado - tudo é possível, o céu é o limite! Essa é também a promessa da chamada '4ª revolução industrial' - ou seja, a revolução digital - que ao desmaterializar a economia e a produção promete uma sustentabilidade duradoura - ver p.ex. este livro recente. Só que esta é apenas mais uma falácia - ver p.ex. aqui ou aqui. Os limites do crescimento económico são conhecidos há vários anos e foram objecto de um famoso relatório do início dos anos 1970, 'The Limits to Growth', que foi muito duramente criticado pela ortodoxia económica mas cuja validade tem sido comprovada - ver p.ex. aqui ou aqui - excepto pelos ideólogos da economia neoliberal e pelos devotos do tecnofuturismo e do trans-humanismo. O preço a pagar por tamanha irresponsabilidade é agora evidente - ver p.ex. post anterior. Vários limites biofísicos planetários estão a ser ultrapassados, e as consequências já estão à vista e vão ser sofridas ainda mais intensamente pelas gerações vindouras.
A narrativa da velocidade e da inexistência de limites tem sido também usada para manipular a forma como lidamos com o tempo e com o trabalho, o que tem provocado várias disfunções psicológicas e sociais - escrevi sobre este tema aqui. Todos estes temas têm aliás sido abordados e desmitificados pelos decrescentistas (ver os meus posts sobre decrescimento).
Temos agora também o marketing a usar (e abusar) da mesma narrativa, aplicando aquele mantra para promover relógios (aqui), automóveis (aqui) ou empresas de 'coaching' desportivo (aqui). Recentemente, uma das grandes operadoras nacionais lançou a campanha 'geração sem limites' para vender novos tarifários da rede 5G mas acabou por ser obrigada a descontinuá-la por queixa de 'publicidade enganosa' à entidade reguladora pela operadora concorrente:
https://www.dn.pt/dinheiro/regulador-ordena-a-nos-retirada-da-campanha-5g-publicidade-enganosa-diz-11501441.html
https://www.meiosepublicidade.pt/2019/11/nos-forcada-retirar-campanha-5g-considerada-enganosa/
A queixa foi aceite, não por a operadora estar a enganar os clientes quanto à alegada inexistência de limites, mas apenas porque os leilões para atribuição das licenças da nova rede 5G não foram ainda realizados e a operadora não poderia pois ainda realizar novos contratos. E a narrativa vai sendo repetida ad nauseam até ser assimilada e aceite como mais uma inevitabilidade!...

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