terça-feira, 26 de novembro de 2019

A armadilha do consumismo

(texto baseado em post publicado no G+ em Nov 2018)
Tal como no ano passado por esta mesma altura, o espaço mediático e publicitário nacional foi invadido pelas campanhas que apregoam descontos para estimular o consumo pré-natalício (ajudando os retalhistas a escoar os seus stocks e com o apoio dos bancos que acenam com créditos especiais ao consumo), com designações ‘made in USA’ – como a Black Friday ou a Cyber Monday (ver p.ex. aqui ou aqui). A ‘Black Friday’ (BF) é uma invenção relativamente recente (anos 1970) do comércio retalhista norte-americano para promover as vendas que antecedem o Natal (após o feriado do ‘Thanksgiving’), mas foi-se tornando mais popular e poderosa com o apoio de campanhas de marketing agressivas que a internacionalizaram a partir dos anos 2000 (ver p.ex. aqui ou aqui). Este mesmo fenómeno é tema de um post de um blogger brasileiro (Luciano Fernandes) onde divulga um excelente vídeo muito recente do projecto ‘Our Changing Climate’ que faz uma análise crítica da BF e dos seus impactos ambientais e sociais nefastos - ‘The problem with BF’: https://youtu.be/p3Z8TodvNuM (9 min; é possível activar tradução simultânea em PT). O vídeo critica a mentalidade mercantil e consumista que é aproveitada pelos gigantes do retalho para escoar excedentes ou produtos supérfluos, mas que contribui para a mudança climática e a degradação ambiental, ao mesmo tempo que promove a exploração dos trabalhadores do comércio retalhista e das plataformas de venda ‘online’. Mostra também claramente que a BF é uma estratégia para aumentar os lucros das grandes empresas, como a Amazon, e para alimentar uma economia dependente do crescimento e consumo permanentes. Para além da denúncia, apresenta também propostas de abstinência individual e de acção colectiva através da colaboração com movimentos sociais que pugnam pela justiça social e climática.
O apelo e dependência do consumo também já chegaram ao continente asiático com um outro fenómeno consumista recente (o ‘Singles’ Day’ chinês), que tem lugar a 11 de Novembro e atingiu este ano novo recorde de vendas ‘online’, tendo as receitas ultrapassado em 2018 os valores totais arrecadados pela BF e a ‘Cyber Monday’ nos EUA (ver p.ex. aqui). Por cá, os volumes de vendas não atingem aqueles valores, mas os publicitários nacionais têm vindo a apregoar nos últimos anos a ‘Black Week’, uma invenção mais recente para estender o ímpeto consumista por um período mais alargado (ver p.ex. aqui ou aqui). Até a EDP introduziu este ano a ‘Green Friday’ para vender electrodomésticos que, segundo a campanha, ‘promovem a eficiência energética’, revertendo uma fracção da receita (1%) para a ‘Liga para a Protecção da Natureza’ (ver p.ex. aqui)!
Dan Perjovschi

A denúncia do apelo ao consumismo compulsivo e da sua gratificação ilusória é anterior à BF, mas foi intensificada por este e outros fenómenos mais recentes, como enfatiza um artigo no ‘The Guardian’ que invoca o pensamento neo-marxista da ‘Escola de Frankfurt’ para desconstruir as mentiras apregoadas pelo marketing. Segundo o psicólogo Tim Kasser citado neste artigo: “Valores materialistas exacerbados estão associados a uma diminuição generalizada do bem-estar das pessoas, desde baixos níveis de satisfação e de felicidade, à depressão e à ansiedade, a problemas físicos e a transtornos de personalidade, como o narcisismo ou o comportamento antissocial.”

Em resposta à fúria consumista que se tem verificado em vários países, a organização activista canadiana 
Adbusters criou o ‘Buy Nothing Day’ (‘Dia Mundial sem Compras’) e renova este ano o boicote à BF: http://abillionpeople.org/buy-nothing-day-2019/ *. Os media têm dado alguma visibilidade a estas iniciativas anti-consumistas (ver p.ex. aqui e aqui). Nos artigos da Wikipedia sobre o BND (aqui ou aqui) é também possível encontrar sugestões sobre acções alternativas ou de contestação. Nunca é demais relembrar que temos sempre pelo menos uma palavra a dizer sobre a propaganda agressiva que nos quer impingir um consumo insustentável e um bem-estar ilusório: NÃO, obrigado!



* Excertos: “The dopamine rush of not having, but wanting, and then acquiring stuff is today more powerful, and more commonly and deeply embedded than ever before. (…) The free-market dreams of onetime capitalist visionaries have been far surpassed: now for the first time, every second is a viable opportunity to sell or be sold something.”

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