“Das Gute,
dieser Satz steht fest, ist stets das Böse was man lässt” Wilhelm Busch [tradução do EN: O bem, estou
convencido, não é mais do que o mal que decidimos não fazer]
Numa época em que a confiança no próximo já viu melhores dias, há exemplos de conduta de
seres humanos que mostram que a capacidade de escolher fazer o bem, ou de não
fazer o mal, continua bem presente. Seleccionei alguns casos, noticiados recentemente,
de denunciantes e de guardiões da natureza que colocaram em jogo a sua
segurança pessoal ou a própria vida. Mas haveria certamente muitos mais que nem
sequer chegam aos media.
A semana
passada foi noticiado mais um esquema da Google (projecto Nightingale) para
aceder abusivamente a dados pessoais, desta feita o historial clínico de
milhões de pacientes da Ascension (segundo maior subsistema de saúde
norte-americano), sem o consentimento dos utentes ou dos médicos:
Claro que alegam
que está tudo dentro da legalidade: a Ascension garante que os dados clínicos
só poderão ser usados para fornecer serviços ao grupo de saúde através de ferramentas
de IA a serem desenvolvidas pela Google. No entanto, segundo a informação que
foi revelada, os nomes dos utentes e médicos não foram apagados no processo de
transferência dos dados, realizado por cerca de 300 funcionários (metade da
Ascension e a outra metade da Google). Parece que houve quem questionasse a
ética daquele procedimento, mas apenas uma pessoa resolveu revelar os
pormenores – um delator anónimo que acabou mesmo por escrever um artigo de
opinião no jornal britânico ‘The Guardian’: https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/nov/14/im-the-google-whistleblower-the-medical-data-of-millions-of-americans-is-at-risk
Um outro
delator bem mais mediático – Edward Snowden - esteve recentemente presente por vídeo-conferência
na WebSummit (https://youtu.be/gIWSDe4HoM4),
tendo salientado que a recolha abusiva de dados pessoais por parte de grandes
corporações internacionais ou por governos constituem formas de manipulação e
de abuso de poder que põem em causa a liberdade e a democracia:
Citação: “we
have legalized the abuse of the person through the personal [by companies such
as Amazon, Facebook or Google] (...) “their business model is abuse and yet every
bit of it they argue is legal”
Houve mesmo quem comparasse Snowden com um denunciante
(e também ‘hacker’) português – Rui Pinto (ver aqui ou aqui) - que foi detido e
está a ser julgado por ter acedido ilegalmente a informações que sugerem práticas
ilícitas em contratos e negócios ‘sujos’ do mundo do futebol internacional,
incluindo Portugal (caso conhecido por ‘Football Leaks’):
Bem mais dramáticos foram os desfechos das
lutas travadas por verdadeiros guardiões da natureza em diferentes pontos do
mundo por terem feito frente a madeireiros, caçadores furtivos ou pescadores
gananciosos. Entre as notícias mais recentes, contam-se os casos do assassinato
de guardas florestais na Roménia:
do assassínio de um defensor da floresta e
das terras indígenas no Brasil:
e do desaparecimento de um vigilante que controlava
a pesca ilegal por arrastões chineses na costa do Gana:
Aproveito para divulgar uma bela e sentida homenagem
a alguns desses seres humanos excepcionais sob a forma de um vídeo curto que é
simultaneamente um apelo à nossa reconexão com a natureza:
https://youtu.be/nGeXdv-uPaw (autoria: Vivek Chauhan para ‘Sanctuary Asia’)
Finalmente, partilho uma interessante
reflexão do autor/pensador britânico Umair Haque sobre a natureza do mal no ser
humano e na época actual:
Citações: "(...) evil
is a human reality, which we cannot evade with clever games of language or
semantics or rationalizations. When we say that we have explained evil, at
least a little better, in the last century, by disproving old myths, that does
not mean evil does not exist — but that it does, and will, and for that reason,
we must remember how far we have come, and how far we have yet to go. (...) For
as long as good people believed the myth that they alone were born that way,
history laughed at their hubris, twisted it upon itself, and made them evil.
And for that reason, I think, being good in an age turning evil means
understanding why claiming one’s own goodness has never been enough, nor is
merely pretending or rationalizing or ignoring the question of evil away."
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