segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Denunciantes e guardiões da natureza: repudiar a ‘banalidade do mal’


Das Gute, dieser Satz steht fest, ist stets das Böse was man lässtWilhelm Busch [tradução do EN: O bem, estou convencido, não é mais do que o mal que decidimos não fazer]

Numa época em que a confiança no próximo já viu melhores dias, há exemplos de conduta de seres humanos que mostram que a capacidade de escolher fazer o bem, ou de não fazer o mal, continua bem presente. Seleccionei alguns casos, noticiados recentemente, de denunciantes e de guardiões da natureza que colocaram em jogo a sua segurança pessoal ou a própria vida. Mas haveria certamente muitos mais que nem sequer chegam aos media.

A semana passada foi noticiado mais um esquema da Google (projecto Nightingale) para aceder abusivamente a dados pessoais, desta feita o historial clínico de milhões de pacientes da Ascension (segundo maior subsistema de saúde norte-americano), sem o consentimento dos utentes ou dos médicos:
Claro que alegam que está tudo dentro da legalidade: a Ascension garante que os dados clínicos só poderão ser usados para fornecer serviços ao grupo de saúde através de ferramentas de IA a serem desenvolvidas pela Google. No entanto, segundo a informação que foi revelada, os nomes dos utentes e médicos não foram apagados no processo de transferência dos dados, realizado por cerca de 300 funcionários (metade da Ascension e a outra metade da Google). Parece que houve quem questionasse a ética daquele procedimento, mas apenas uma pessoa resolveu revelar os pormenores – um delator anónimo que acabou mesmo por escrever um artigo de opinião no jornal britânico ‘The Guardian’: https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/nov/14/im-the-google-whistleblower-the-medical-data-of-millions-of-americans-is-at-risk
Um outro delator bem mais mediático – Edward Snowden - esteve recentemente presente por vídeo-conferência na WebSummit (https://youtu.be/gIWSDe4HoM4), tendo salientado que a recolha abusiva de dados pessoais por parte de grandes corporações internacionais ou por governos constituem formas de manipulação e de abuso de poder que põem em causa a liberdade e a democracia:
Citação: “we have legalized the abuse of the person through the personal [by companies such as Amazon, Facebook or Google] (...) “their business model is abuse and yet every bit of it they argue is legal
Houve mesmo quem comparasse Snowden com um denunciante (e também ‘hacker’) português – Rui Pinto (ver aqui ou aqui) - que foi detido e está a ser julgado por ter acedido ilegalmente a informações que sugerem práticas ilícitas em contratos e negócios ‘sujos’ do mundo do futebol internacional, incluindo Portugal (caso conhecido por ‘Football Leaks’):

Bem mais dramáticos foram os desfechos das lutas travadas por verdadeiros guardiões da natureza em diferentes pontos do mundo por terem feito frente a madeireiros, caçadores furtivos ou pescadores gananciosos. Entre as notícias mais recentes, contam-se os casos do assassinato de guardas florestais na Roménia:
do assassínio de um defensor da floresta e das terras indígenas no Brasil:
e do desaparecimento de um vigilante que controlava a pesca ilegal por arrastões chineses na costa do Gana:

Aproveito para divulgar uma bela e sentida homenagem a alguns desses seres humanos excepcionais sob a forma de um vídeo curto que é simultaneamente um apelo à nossa reconexão com a natureza:
https://youtu.be/nGeXdv-uPaw (autoria: Vivek Chauhan para ‘Sanctuary Asia’)

Finalmente, partilho uma interessante reflexão do autor/pensador britânico Umair Haque sobre a natureza do mal no ser humano e na época actual:
Citações: "(...) evil is a human reality, which we cannot evade with clever games of language or semantics or rationalizations. When we say that we have explained evil, at least a little better, in the last century, by disproving old myths, that does not mean evil does not exist — but that it does, and will, and for that reason, we must remember how far we have come, and how far we have yet to go. (...) For as long as good people believed the myth that they alone were born that way, history laughed at their hubris, twisted it upon itself, and made them evil. And for that reason, I think, being good in an age turning evil means understanding why claiming one’s own goodness has never been enough, nor is merely pretending or rationalizing or ignoring the question of evil away."

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