2ª parte – Contestar os OGM não é anti-científico, nem imoral
(texto adaptado de post que publiquei no G+ em Março de
2018)
O título da 2ª parte deste
post resultou da tradução livre do título de
um artigo do pensador
e escritor norte-americano Charles Eisenstein, publicado em Janeiro de 2018 no ‘Huffington
Post’,
em resposta a um
outro artigo de opinião do presidente da Universidade de
Purdue e ex-governador do estado do Indiana, Mitch Daniels, publicado no ‘Washington
Post’ no final de Dezembro de 2017.
O artigo de Daniels usou uma argumentação muito semelhante à dos autores do
artigo do Observador que mencionei na
1ª parte deste post, daí ter decidido repescar o meu
post de 2018. Daniels (tal como Cerqueira e Estrada) defende a
utilização de OGM na agricultura, acusando os que se lhe opõem de superstição
(por porem em causa a posição de muitos cientistas sobre a segurança dos OGM) e
de imoralidade (por pretenderem impedir países em desenvolvimento de aceder às
tecnologias que podem impulsionar a agricultura e alimentar os seus povos). Por
seu lado, Eisenstein desmonta a argumentação de Daniels a partir de dois
pressupostos deste autor: que os OGM são seguros para a saúde e o ambiente, e
que a agricultura industrial e intensiva é mais produtiva do que outras formas
alternativas ou tradicionais. Eisenstein defende que aqueles pressupostos são
baseados, por sua vez, na convicção, não só na validade e imparcialidade do
conhecimento científico mas também na capacidade da ciência em avaliar as
diferenças entre duas formas de agricultura que dependem de uma multiplicidade
de factores que tornam aquela comparação complexa e problemática. Em relação ao
primeiro aspecto, Eisenstein afirma que muita da literatura científica que
defende a segurança dos OGM para a saúde humana e para o ambiente foi produzida
por cientistas com financiamento das agroindústrias ou por investigadores das
próprias corporações agroindustriais, para além de faltarem estudos sobre os
efeitos de longa duração. Embora um
relatório da National Academy of Sciences
(NAS) dos EUA publicado em 2016 afirme que os OGM são seguros, muitos outros cientistas e autores têm posto em
causa essa posição:
- Livro
‘The GMO deception’, S. Krimsky & J. Gruber (2014):
- Livro
‘Altered genes, twisted truth’ Steven Druker (2015):
(Gillam desmonta o modo como a Monsanto e os lóbis pró-OGM
têm manipulado cientistas, media e
decisores políticos, e como promovem sites
que atacam todos os que questionam a Monsanto ou os OGM, como ‘GMO answers’, ‘Genetic
Literacy Project’ ou ‘Academics Review’)
- Outros artigos que mostram as tácticas da empresa Monsanto
para silenciar ou desacreditar críticas aos OGM:
Em relação ao segundo aspecto, a argumentação de Daniels é
ainda mais fácil de desmontar. Defender que uma monocultura OGM é mais
produtiva que uma sua equivalente convencional pode ser apoiado por resultados
experimentais em casos pontuais, mas é claramente insuficiente para afirmar que
o sistema agroindustrial é mais produtivo que outras formas de agricultura em
todas as circunstâncias e no longo prazo. Eisenstein realça também as
limitações e falácias daquele tipo de comparações. Existem aliás vários estudos
que mostram exactamente o contrário (para além dos que são citados por
Eisenstein), como o relatório da NAS citado anteriormente (mostra que a
produtividade dos OGM não é superior à das culturas convencionais), uma
investigação publicada pelo New York Times em 2016 e os relatórios e artigos que citei num
post sobre os mitos do sistema agroalimentar e que demonstram as vantagens da
agro-ecologia e de outras práticas agrícolas não convencionais. Eisenstein termina o artigo defendendo que a posição de Daniels resulta da
sua visão do mundo e do seu enviesamento em relação ao sucesso e benesses do
sistema agroindustrial (em tudo semelhantes às dos autores do artigo do
Observador): “(…) se aceitarmos que a agricultura industrializada em grande
escala é adequada à produção das principais culturas alimentares, então, é
natural aceitar todos os complementos tecnológicos, como os OGM, herbicidas,
fertilizantes químicos, fungicidas, insecticidas e assim por diante.”
(‘if we take for granted
large-scale, industrialized agriculture growing commodity crops, then
absolutely it helps to use the full complement of agricultural technology, such
as GMOs, herbicides, chemical fertilizers, fungicides, insecticides, and so on’).
Ser a favor ou contra os OGM não é portanto uma questão de ser a favor
ou contra a ciência (e muito menos de moralidade), mas reflecte duas mundivisões
antagónicas. Eisenstein defende, de facto, uma visão de mundo e uma forma de
agricultura radicalmente diferentes da que Daniels e muitos cientistas
subscrevem: “Uma visão diferente do futuro tem vindo a ressurgir (...). Um
futuro onde a produção de alimentos é relocalizada, onde muito mais pessoas estão
envolvidas na produção agrícola; onde a agricultura deixa se ser encarada como
uma profissão humilde, e onde as práticas agrícolas visam regenerar a terra,
tornando-se uma extensão da ecologia e não uma excepção à ecologia.”
(‘A different vision of the future
is emerging (…). It is a future where food production is re-localized, where
many more people have their hands in the soil; where farming is no longer seen
as a lowly profession, and where agriculture seeks to regenerate the land and
become an extension of ecology, not an exception to ecology’).
Adenda: No artigo do Observador os autores põem ainda em
causa a defesa pelo PAN das chamadas ‘Terapias não convencionais’ (TNC) assim como a
contestação ao abuso na prescrição de Ritalina às crianças. Não querendo
alongar ainda mais este post, deixo algumas
pistas para desconstruir a argumentação falaciosa de Cerqueira e Estrada:
1. Posicionamento da OMS sobre as TNC e medicinas
tradicionais:
2. Perigos da sobremedicação e da prescrição de Ritalina:
Crianças XXI – reportagem Linha da Frente (RTP, Fev 2017):
Perigos da sobremedicação de ritalina:
Manifesto “Por uma abordagem não medicalizante nem
patologizante da educação” (2012):
Opinião de Adriana Campos (psicóloga, 2014): http://www.educare.pt/opiniao/artigo/ver/?id=27089&langid=1