quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Survival of the richest

No dia de abertura da habitual romaria anual dos ricos e poderosos até Davos, a ONG Oxfam divulgou novo relatório sobre a desigualdade no mundo – ver comunicado de imprensa aqui. As suas principais conclusões não diferem muito das dos relatórios de anos anteriores (ver p.ex. aqui) - a desigualdade e a pobreza aumentaram, assim como a riqueza dos ‘ultra-ricos’ (ver PR da Oxfam citado acima e notícias em media nacionais aqui ou aqui).

Nenhuma dessas conclusões me parece aliás de todo surpreendente - as duas crises globais porque passámos (pandemia e actual guerra na Ucrânia) beneficiaram afinal os que já eram mais ricos, assim como grandes corporações multinacionais de diversas áreas económicas (farmacêuticas, tecnológicas, alimentares, armamento) e instituições financeiras, e prejudicaram todos os outros (ver p.ex. aqui e aqui). Além disso, o sistema socioeconómico dominante - baseado no crescimento permanente, no consumo desenfreado, na mercantilização de tudo o que mexe, na concentração da riqueza e do poder, etc. - continua de ‘boa saúde’, apesar de sabermos muito bem que é insustentável e destrutivo, quer ambiental-, quer socialmente (ver p.ex. aqui ou aqui).


Como argumentei anteriomente (ver aqui), a muita aclamada e elogiada agenda internacional dos ‘Objectivos do Desenvolvimento Sustentável’ das Nações Unidas (também conhecida como Agenda 2030) não irá mudar grande coisa, exactamente por não pôr em causa o sistema económico, além de vários ODS serem incompatíveis entre si! Mas mais do que isso, falta àquela agenda um objectivo-chave e essencial para cumprir o ODS#1 (Erradicar a pobreza), ao qual eu chamo ODS#0: Erradicar a riqueza (excessiva)! Sem restringir as remunerações e a acumulação de rendimentos e posses dos detentores do poder económico e financeiro global, nunca será possível erradicar a pobreza que geram e da qual dependem – ver também aqui.

E, como é óbvio, não serão também os membros dessa chamada “elite financeira, económica e política global” que se reúnem em Davos que vão querer mudar seja o que for - antes pelo contrário, vão ali para se vangloriarem e para garantir que o sistema económico e político continue a servir os seus interesses (aliás, o deboche que se vive em Davos não se limita apenas à esfera económica ou política – ver p.ex. aqui).


O título dado pela Oxfam ao seu relatório mais recente (que adoptei para denominar este post e que subverte o famoso aforismo atribuído a Darwin - a que aludi num post anterior sobre um tema muito distinto) tinha já sido usado anteriormente para intitular dois livros publicados nos EUA e que fazem ambos uma crítica contundente das elites endinheiradas daquele país: o primeiro da autoria de Donald Jeffries (publicado em 2020), no qual defende que a consolidação da riqueza pela plutocracia reinante é a responsável pela desigualdade profunda de que padece a sociedade americana, e o segundo de Douglas Rushkoff (publicado em 2022), que amplia um artigo seu de 2018 onde denuncia as fantasias transumanistas e distópicas das elites que lideram as grandes empresas tecnológicas – ver aqui (tradução PT-BR aqui).


Infelizmente, as soluções preconizadas pela Oxfam – taxar os ‘ultra-ricos’ para redistribuir a riqueza e financiar reformas sociais (promover a educação, saúde e habitação públicas) e ambientais (combate às alterações climáticas) – também não serão suficientes para garantir a mudança radical de que precisamos. Essa só será conseguida com o envolvimento de muitas pessoas e colectivos numa co-construção de caminhos de transformação sistémica, que deverá incluir não só uma mudança de modos de vida dos mais privilegiados em direção à suficiência frugal e à simplicidade voluntária e convivial, como também uma profunda restruturação das sociedades e das suas estruturas fundamentais que promovam os valores da autonomia, da auto-limitação e da colaboração. Estas são propostas que já tenho divulgado aqui e que são preconizadas pelos defensores do decrescimento ou por membros de outros movimentos sociais afins – ver aqui ou aqui.

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