As recentes declarações de emergência climática (ver p.ex. aqui
ou aqui)
não estão infelizmente a ser acompanhadas de acção política mais vigorosa por
parte dos governos – veja-se o caso do Reino Unido comentado neste artigo no‘The Guardian’:
“(...) the latest report to parliament of the government’s Committee on
Climate Change makes it clear that the government’s commitment to mitigating
the effects of the climate emergency is still very much at the stage of
announcing speed limits: targets and exhortations without any enforcement or
real effects on behaviour.”
Mesmo após diversos apelos do Secretário-Geral da ONU, a
própria União Europeia não conseguiu chegar a acordo sobre os esforços de
mitigação da mudança climática na recente reunião de líderes em Bona:
Também nos grandes media
internacionais a crise climática não tem merecido o lugar de destaque que uma
verdadeira emergência justificaria e o espaço mediático continua a ser dominado
por variadíssimos ‘fait-divers’ que distraem a maioria da população, havendo
mesmo quem apelide as declarações de emergência climática de ‘farsa mediática’:
https://guilhotina.info/2019/06/21/emergencia-climatica-farsa-mediatica/
Não admira que os movimentos de cidadania internacionais que
pugnam por acção urgente e eficaz para mitigar a crise climática não abrandem
as suas acções de contestação:
Fridays For
Future - Global Climate Strike (20-27 Set): https://globalclimatestrike.net/
Extinction Rebellion: https://rebellion.earth/2019/07/25/newsletter-26-ice-cold-sip-of-rebellion/
Chamo a atenção para a entrevista ao Público do geógrafo
alemão Wolfgang Cramer (esteve em Lisboa para o Congresso da Federação Europeia de Ecologia,
tendo-se deslocado de comboio desde França onde é director do Instituto
Mediterrânico de Biodiversidade e Ecologia): https://www.publico.pt/2019/08/01/ciencia/entrevista/quantidade-emissoes-gases-estufa-permitimos-aviacao-absurda-1881906
(pdf aqui)
Nesta entrevista Cramer destaca a contribuição da aviação
para as emissões de CO2 e a necessidade de reduzir as viagens aéreas e
estimular o transporte ferroviário, apostando p.ex. em redes de alta velocidade.
Cramer afirma: “Votem em partidos que não construam aeroportos. As pessoas não
devem acreditar no argumento que a economia está a beneficiar. É uma mentira.”
Fala ainda da importância de mudar (promoção de práticas agrícolas biodiversas)
e relocalizar a produção agro-alimentar, de práticas agro-florestais que
previnam os incêndios florestais e de gestão urbana sustentável que não dependa
apenas de novas tecnologias.
O congresso citado acima teve como tema a “A incorporação da
ecologia nos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”. No entanto, diversos
autores e académicos têm posto em causa não só a validade e aplicabilidade dos
ODS e da Agenda 2030 das Nações Unidas, como também têm destacado a sua
incompatibilidade intrínseca (ver referências no final*) – p.ex. propõe-se mitigar a pobreza (ODS#1) e as alterações
climáticas (ODS#13) promovendo simultaneamente o crescimento económico (ODS#8).
Chamo a atenção para este artigo de opinião recente do sociólogo moçambicano
Elísio Macamo em que faz uma análise crítica dos ODS, pondo em causa a exequibilidade das
metas almejadas e a sua aplicabilidade em África: https://www.publico.pt/2019/08/01/mundo/opiniao/africa-rejeitasse-objectivos-desenvolvimento-sustentavel-1881616
(pdf aqui).
Macamo questiona: “É a África que precisa deles ou a burocracia internacional
do desenvolvimento e da caridade remunerada que precisa de uma África que
precise dos ODS?” e afirma: “Ao invés de lograr o desenvolvimento através da deliberação
e da confrontação de projectos alternativos, os ODS sufocam o debate premiando
aqueles que com eles concordam” e que “o maior problema consistiu na fraca
capacidade africana de gerir os efeitos das soluções.” Põe também em causa a prossecução
de fins em detrimento da discussão sobre os meios para os atingir. “A África,
hoje, não é pobre por ser pobre. É pobre porque é objecto de intervenção
institucional para acabar com a pobreza.” E questiona ainda o conceito de
pobreza e a necessidade de ser combatida: “Porque nunca nos passou pela cabeça
que seja a riqueza o problema? A pobreza é o problema não porque o seja
realmente, mas sim porque o sistema económico que gere o mundo assim a torna.
(…) é fácil explicar porque a África devia rejeitar os ODS. Eles definem fins
que definham o espaço político, impedindo uma discussão sobre os meios. Hoje, a
pobreza é activamente produzida pelo modo dominante de gestão do mundo. (…) É
suspeito querer resolver um problema criado por uma certa estrutura sem mexer nessa
estrutura. Não é a África que é um problema, mas sim o mundo. Logo, no centro
dos ODS deveria estar o funcionamento desse mundo.”
A resolução das crises social e ecológica (onde se inclui a
crise climática) requer a sua integração num contexto mais alargado que inclua
as dimensões económica, política e cultural. Só uma abordagem sistémica nos
poderá permitir lidar com problemas sistémicos que estão intimamente ligados ao
modelo sócio-económico global. O conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ não
rompe com o paradigma civilizacional dominante e como tal não creio que seja a
saída que procuramos. É por isso que me revejo nas propostas do decrescimento que
tenho vindo aqui a divulgar: https://respigadordanet.blogspot.com/search/label/Decrescimento
https://politheor.net/fragmented-incoherent-chaotic-global-goals-need-better-orchestration/
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