sábado, 16 de maio de 2020

Manual de instruções para a "nova normalidade"

O país acaba de entrar na 2ª fase de desconfinamento, mas continua em 'estado de calamidade' que se prolonga até fim de Maio. Estas designações soam algo contraditórias e o próprio governo parece estar a navegar à vista. O nosso 'grande timoneiro' Costa, sempre determinado, já veio apelar aos portugueses para agora saírem à rua para ajudar o comércio, que naturalmente ficou em dificuldades (não foi bem um "vão às compras", mas quase). Fez-me lembrar um célebre apelo do presidente Bush, após os ataques do 11 de Setembro, para os seus compatriotas irem às compras ou à Disneyland para ajudar a economia e vencer o medo... (Mas isto deve ser a minha mente tortuosa que faz associações bizarrasl...) Depois de semanas de campanha de medo, levada a cabo por autoridades e media, o Secretário de Estado da Saúde veio agora dizer que o medo não deve paralisar os portugueses!... Seja como for, esta nova fase envolve vários preceitos, que surgiram no final da semana passada sob a forma de manuais produzidos pela DGS.
Primeiro, temos o manual da DGS para o dia-a-dia (são mais de 30 páginas, embora tenha muita 'palha'), cujo lema é: TODOS SOMOS AGENTES DE SAÚDE PÚBLICA! Com tanta higienização, tanta máscara descartada e tanto plástico, quem vai ganhar serão certamente a saúde das pessoas e do ambiente!... Não resisto a destacar a nota que inseriram sobre o uso obrigatório de máscara em estabelecimentos comerciais: "Esta obrigatoriedade é dispensada quando, em função da natureza das atividades, o seu uso seja impraticável." Presume-se que estarão a referir-se a cafés, pastelarias e restaurantes - que têm as suas regras próprias (ver mais abaixo), para podermos beber ou a comer (sem máscara!) sem sermos importunados pelo corona... E é também digna de destaque esta ilustração da página 4 do manual - nela vemos os tais 'agentes de saúde de pública' a 'combater' o vírus:
Depois temos o guia para as idas às praias - que só 'reabrem' no dia 6 de Junho. São 78(!!) regras muito precisas e sensatas que dão mesmo vontade de ir a banhos... Parece que estou a ver os burocratas da APA nos seus gabinetes a pensaram em cada pormenor e a elaborar a regra apropriada! Será que o corona sabe nadar? E gostará de sol e água salgada?... Entre as várias ideias para evitar os congestionamentos nas praias, a do semáforo pareceu-me genial! E até já há uma proposta concreta criada por uma startup que poderá ser adquirida pelas autarquias... Devido à necessidade de distanciamento, há mesmo quem já tenha desenhado compartimentos em 'plexiglass' para as praias. E alguns autarcas voluntariosos tomaram a dianteira e começaram a 'desinfectar' as praias' (hipoclorito=lixívia), mesmo antes de saírem os manuais da DGS (que desaconselha o seu uso).
Mas temos mais: haverá também regras para museus, eventos desportivos, lares e igrejas (católicas) - nestas últimas, as missas serão de máscara, com comunhão em silêncio(!?), sem abraço da paz e com distanciamento... De notar a discriminação dos desportos 'menores' em relação ao futebol ('desporto rei'): a 'bola' começa a 1 Junho (sem público!) e os outros - andebol, voleibol, basquetebol e hóquei em patins - já não são retomados esta época.

Depois, temos o 'manual de instruções' para as escolas. Deve ser muito agradável (e dar muito jeito) dar e assistir a aulas de máscara... E depois temos o distanciamento físico e a higienização permanente, inclusive das salas entre cada aula. A foto ilustra o processo de desinfecção prévia das salas de aula por militares devidamente 'fardados' - sim, porque as salas deviam estar muito contaminadas durante as várias semanas em que as escolas estiveram fechadas...
E temos então as regras para a restauração e hotelariaSem ementas, sem buffets, sem 'adornos' (excepto talheres, prato e copo), nem temperos, nem travessas, e pagamento contactless (sem dinheiro). Adorei este detalhe da prosa do artigo (e há mais pérolas): "Sentados, mãos previamente higienizadas com solução antisséptica de base alcoólica, máscara em repouso (teremos de entrar no restaurante de máscara no rosto), depara-se-nos uma novidade, ou melhor, um ajuste a uma realidade em todos os restaurantes..."
Numa outra notícia, os detalhes sobre as orientações da DGS são complementados com as medidas adoptadas em outros países. Em Espanha o detalhe e extensão das medidas é semelhante. Nesta notícia gostei em especial da escolha da foto das senhoras sentadas com um ar alegre, máscaras no rosto, frente aos seus copos de vinho e à embalagem de gel desifectante...
Deixei o melhor para o fim - o futuro das viagens e do turismo internacional - com variadas restrições e medidas inovadoras, como passaportes de saúde e certificados Clean&Safe:
https://www.theportugalnews.com/news/clean-and-safe-seal-launched-to-bring-confidence-to-tourism-sector/53923
https://www.bbc.com/news/world-52450038
https://www.theguardian.com/politics/2020/may/03/coronavirus-health-passports-for-uk-possible-in-months
https://www.theguardian.com/world/2020/apr/26/greece-preparing-new-tourism-rules-in-wake-of-coronavirus
Num comentário a um dos artigos do Guardian, alguém resumia da seguinte forma: "Future tourism: completely anti-septic, everything desinfected with PPE (Personal Protective Equipment), throw away cutlery, everyone in a protective bubble! Great for the environment and sounds fun!"

Para aliviar um pouco o tom - deixo uma ideia 'genial' de um café na Alemanha para garantir o distanciamento físico entre os seus clientes. Talvez se tenham inspirado nuns chapéus para as crianças usados com a mesma finalidade numa escola na China.
Vai ser sem dúvida um 'novo' mundo e uma 'nova normalidade' - que não me soam nada admiráveis!... E não, não me parece que "vamos ficar todos bem", se continuarmos a tratar os cidadãos como crianças irresponsáveis que têm de obedecer aos seus governantes que, numa atitute paternalista e castradora, lhes retiram o livro arbítrio e querem regulamentar cada actividade e cada gesto que fazem. E principalmente, se retomarmos uma suposta 'normalidade' que não trará certamente um futuro saudável e sustentável para todos (ver p.ex. aqui).

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