É difícil fugir ao tema que nos assombra há várias semanas e que ameaça estar para durar. Mas há razões de sobra para eu voltar a trazê-lo aqui - mesmo que não sejam as mais evidentes. Desta vez invoco-o devido a duas campanhas publicitárias recentes na região de Lisboa.
A primeira foi levada a cabo pela TVI para promover um dos seus programas emblemáticos, o ignóbil 'Big Brother', que aquele canal televiso decidiu retomar no final de Abril, com o estado de emergência ainda em vigor devido à pandemia da Covid-19. Nem sequer me vou referir à natureza escabrosa e imbecil do programa, mas apenas a um outdoor que surgiu mais recentemente para o publicitar, contendo a seguinte frase: "A TVI decreta estado de entretenimento"! Parece que para as mentes perversas da gente do departamento de marketing não há limites para a desfaçatez que consiste na apropriação de uma situação de restrição das liberdades individuais para promover ou vender seja o que for. Neste caso, com o requinte de malvadez de tratar-se de publicitar um programa que vai buscar o seu nome à novela orwelliana que denunciava exactamente as formas mais brutais de controlo social! Já não há sombra de pudor, nem deontologia, que nos valha - e somos compelidos a aceitar (e consumir) tudo o que nos atiram para cima. Talvez seja até pura ignorância - muita gente nem saberá quem foi o Orwell, quanto mais o Big Brother!...
A outra campanha foi lançada também no final de Abril pelo movimento 'Mais Cascais', afecto ao actual executivo camarário deste município, e que também envolveu outdoors com o lema dessa mesma campanha: "Não tenha medo de ter medo". A controvérsia não se fez esperar, como o comprovam os comentários nos posts da página do movimento no Facebook, e já mereceu algumas críticas, embora apenas a nível local - ver p.ex. aqui ou aqui. Já me referi ao sentimento do medo relacionado com a actual pandemia num post anterior. Deixo aqui apenas a ligação para uma já famosa intervenção pública do escritor Mia Couto, numa conferência sobre segurança no Estoril há quase dez anos, intitulada 'Murar o medo', onde afirma que "há quem tenha medo que o medo não acabe", e que continua extremamente actual, quando governos de todo o mundo estão a usar o medo - desta vez de um vírus - para exercer um poder totalitário sobre os seus cidadãos. Encontramo-nos, sem dúvida, em pleno estado de calamidade.
mais sobre este tema do MEDO (uma obra bem actual, outra com já uma dúzia de anos, portanto longe de covids, no entanto desmascarando, na mesma, o que está a passar):
ResponderEliminarUlrich Beck : "Risk Society"
Frank Furedi: "How fear works: culture of fear in the 21st century"
Lars Svendsen: "A Philosophy of Fear"