sábado, 11 de dezembro de 2021

Sobrevivência do (mais) belo

The sight of a feather in a peacock's tail, whenever I gaze at it, makes me sick!Charles Darwin, carta para Asa Gray (1860)
On the whole, birds appear to be the most aesthetic of all animals, excepting of course man, and they have nearly the same taste for the beautiful as we have.Charles Darwin, The Descent of Man (1871)
Only when Darwin’s aesthetic view of evolution is restored to the biological and cultural mainstream will we have a science capable of explaining the diversity of beauty in nature.Richard O. Prum, The evolution of beauty (2017)
I believe our understanding of nature increases if we spend more time wondering about all this useless beauty.David Rothenberg, Survival of the beautiful (2011)

O título deste post é uma tentativa de integrar duas traduções possíveis para o título do livro ‘Survival of the beautiful’ (2011) do músico e filósofo norte-americano David Rothenberg (ver p.ex. aqui ou aqui). Por sua vez, o título escolhido por Rothenberg é uma referência à frase ‘Survival of the fittest’ (sobrevivência do mais apto) que é frequentemente usada para descrever o processo de selecção natural, proposto originalmente por Charles Darwin e Alfred Wallace no séc. XIX para explicar a evolução biológica (formação de novas espécies). Segundo essa proposta, as características que são mantidas nas diferentes espécies ao longo da evolução são aquelas que resultam numa vantagem adaptativa, garantindo o sucesso reprodutivo e a sobrevivência das populações em que essas características surgem (ler p.ex. aqui). No entanto, Rothenberg, assim como outros investigadores, incluindo alguns biólogos, apesar de concordar que a selecção natural é um dos motores da evolução, considera que não é o único. Aliás o próprio Darwin propôs um segundo processo, que designou por selecção sexual, para explicar o aparecimento de certas características que não têm uma vantagem adaptativa aparente, como a variedade de cantos ou de cores e formas das plumagens, das aves que exibem dimorfismo sexual (ler p.ex. aqui).

    No seu livro ‘The descent of man’ Darwin escreve: “(…)nos insectos, anfíbios e aves, em que os machos durante a época de acasalamento produzem incessantemente notas musicais ou meros sons rítmicos, devemos acreditar que as fêmeas são capazes de apreciá-las e, portanto, de ficar excitadas ou encantadas; de outro modo, os esforços incessantes dos machos e as estruturas complexas, muitas vezes possuídas exclusivamente por eles, seriam inúteis.” Este processo pressupõe uma capacidade inata de reconhecer estruturas ou sons complexos nos animais não humanos, além de uma capacidade de apreciação estética por um dos géneros, em geral as fêmeas. No mesmo livro, Darwin escreve: “Coragem, combatividade, perseverança, força e tamanho do corpo, armas de todos os tipos, órgãos musicais, tanto vocais quanto instrumentais, cores brilhantes e apêndices ornamentais, foram indirectamente ganhos por um ou outro sexo, através do exercício de escolha, a influência do amor e do ciúme, e a apreciação do belo…”. Numa entrevista sobre o seu livro, Rothenberg afirma: “Temos tendência a pensar que a evolução significa a sobrevivência do mais apto, mas isso é apenas uma parte da história. Charles Darwin comentou que a cauda do pavão ‘o deixava indisposto’, porque ele não conseguia explicar a sua existência apenas com base na selecção natural. Ele teve que conceber o processo de selecção sexual, que postula que algumas características sobrevivem apenas porque um dos sexos as escolhe no parceiro, apenas porque gosta delas. É assim que temos a sobrevivência do curioso, do belo, do extremo, do bizarro e do aparentemente inútil na natureza.”

    Um dos exemplos que Rothenberg refere é o dos pássaros-jardineiro (‘bowerbirds’) que constroem elaborados caramanchões (‘bowers’) com ramos, folhagem, flores, bagas, cogumelos ou outros objectos que recolhem na floresta para cortejar as fêmeas (ler p.ex. aqui). Sobre estas sublimes estruturas, Rothenberg escreve: “E se os pássaros-jardineiro atraíssem, acasalassem e procriassem para a propagação dos caramanchões, não dos descendentes? Veja-se o processo como um exemplo de seleção estética... [Aquelas] não são estruturas para se viver, mas sim para as fêmeas admirarem. São feitas para serem uma coisa – belas.”

    Esta linha de pensamento já era patente num livro anterior de Rothenberg – ‘Why birds sing’ (2005) – onde ele sugere que o canto das aves tem um papel não utilitário, para além daqueles que lhes são atribuídos pela generalidade dos biólogos – atrair parceiros, repelir potenciais competidores ou demarcar o seu território –, e que não é dissemelhante da função da música para os seres humanos: dar prazer aos que a executam ou a quem a ouve (ver p.ex. aqui ou aqui, ou excertos de programa da BBC baseado no livro: aqui e aqui). Escreve a autor: “Por que cantam as aves? Pelas mesmas razões que nós o fazemos - porque podemos. Porque gostamos de habitar o puro reino do som. Mas também porque somos impelidos a cantar - é o modo como fomos engendrados para explorar as formas puras do som. Celebramos essa capacidade nas nossas principais tarefas, que nos definem a nós mesmos, defendendo o nosso território, convocando aqueles que amamos. Mas a forma é algo mais do que mera função.” As suas teses são rejeitadas por muitos biólogos (ver p.ex. aqui ou aqui), mas outros têm dedicado atenção ao assunto e concluem que existe não só qualidade musical no canto das aves, mas também capacidade criativa nalgumas espécies (ver p.ex. aqui ou aqui). Um outro músico que partilha das teses de Rothenberg é David Byrne, que no seu livro ‘How music works’ (2012) afirma: “O carácter adaptativo da criatividade não se limita a músicos e compositores (ou a artistas de outras áreas). Ele estende-se ao mundo natural também. David Attenborough e outros afirmaram que os cantos das aves evoluíram para se adequar ao ambiente. (…) a evolução e adaptação musical é um fenómeno interespecífico. E presumivelmente, como dizem alguns, as aves gostam de cantar, mesmo que, tal como nós, mudem as suas melodias com o passar do tempo. O prazer de fazer música prevalecerá, independentemente do contexto e da forma que emerge que lhe confira uma melhor adaptação.”

    Um biólogo que tem investigado e defendido o carácter subjectivo e arbitrário da apreciação estética em animais não humanos proposto por Darwin é o zoólogo norte-americano Richard O. Prum, em particular no seu livro ‘The evolution of beauty’ (2017). Prum sustenta que, contrariamente à maioria dos biólogos evolucionistas contemporâneos que atribuem à seleção natural a origem das formas e estruturas biológicas, fenómenos como a selecção sexual resultam de processos arbitrários que envolvem a avaliação cognitiva e neuronal de sinais sensoriais, conduzindo a soluções menos adaptativas e mais diversas (e belas), processo que ele apelida de evolução estética. Para além dos atributos que definem o dimorfismo sexual nas aves, Prum dá o exemplo da marcada diferença de diversidade nas estruturas das raízes das plantas quando comparada com a das flores (ver aqui): no primeiro caso (raízes), a forma é determinada principalmente por mecanismos de natureza adaptativa, que conduziram a soluções menos diversas mas optimizadas para a função (absorção de nutrientes); já no segundo caso (flores), embora existam características comuns derivadas da função (reprodução), a diversidade de formas é também determinada por um processo de coevolução entre a planta e a espécie polinizadora (insecto ou outro animal) que interagem cognitivamente. Prum afirma que: “a evolução estética é uma propriedade emergente que resulta duma escolha baseada na avaliação sensorial e cognitiva de sinais (visuais, sonoros), e atinge a sua maior complexidade através da coevolução desse sinal e da sua avaliação.”

    Dois outros autores que reflectiram igualmente sobre as origens da forma e da beleza, propondo hipóteses mais ousadas (e também menos consensuais) foram Gregory Bateson e Brian Goodwin. Mas como este post já vai longo, deixo essas propostas para uma segunda incursão ao tema. Por agora gostaria de salientar que existe uma tendência dominante na biologia, mas também na sociedade em geral, que atribui o sucesso evolutivo às soluções utilitárias ou economicistas. Essa visão de matriz racional, materialista e mecanicista parece-me claramente redutora por excluir as dimensões subjectivas e qualitativas facilmente experienciáveis (e portanto incontornáveis) da natureza das coisas e dos seres vivos em particular. Estas dimensões estão na base do conceito de estética ecológica desenvolvido por Bateson (ver p.ex. aqui ou aqui). Os exemplos que citei ilustram bem o contraste e confronto entre formas distintas de ver-conhecer o mundo, que acabam por reflectir-se necessariamente no modo de agir sobre ele. A visão dominante resulta em grande medida, a meu ver, de uma noção de excepcionalismo humano preponderante na cultura ocidental e que se manifesta de forma evidente, não só no pensamento biológico, como também no paradigma socioeconómico dominante. Este último foi não só influenciado pelo racionalismo cartesiano e o mecanicismo newtoniano, como resulta de uma visão utilitarista e produtivista do mundo que despreza valores subjectivos como a colaboração, a empatia ou a criatividade (não-utilitária/não-mercantil).

    A sensibilidade e apreciação estética são excelentes exemplos de capacidades que transcendem e precedem os seres humanos, oferecendo-nos uma visão de um mundo-além-do-humano pleno de qualidades, de intersubjectividades e de reciprocidades. A beleza inútil de que fala Rothenberg é afinal uma qualidade emergente de demorados processos naturais de interacção e co-evolução, acessível e apreciável pelos seres vivos sensíveis e que é fonte de encantamento, de alegria e de prazer.

    Deixo para fechar duas citações. A primeira é de Ferris Jabr, num artigo sobre as origens da beleza animal (que cita o trabalho de Richard Prum): “O que apelidamos de beleza não é simplesmente uma única coisa, nem totalmente intencional nem totalmente aleatória, nem apenas uma propriedade nem um sentimento. A beleza é um diálogo entre o que percebe e o que é percebido. A beleza é a resposta do mundo à audácia de uma flor. É a maneira como uma abelha se lança sobre as pétalas de um ranúnculo; é o cuidado com que um pássaro-jardineiro seleciona uma flor de hibisco; é o impulso de recriar nenúfares usando óleo sobre tela; é o impulso de colocar rosas sobre um túmulo.”

    A segunda é do livro já citado de David Byrne: “Parece que a criatividade, seja o canto das aves, a pintura ou a composição musical, é tão adaptativa quanto qualquer outra coisa. O génio – o emergir de um trabalho verdadeiramente notável e memorável – parece surgir quando uma coisa é perfeitamente adequada ao seu contexto. Quando algo funciona, parece-nos não apenas ser uma adaptação inteligente, mas também ressoa emocionalmente. Quando a coisa certa está no lugar certo, isso toca-nos de alguma forma.”

Nota: como ilustração adicional deste post criei duas listas de reprodução com vídeos do Youtube (com o título 'Survival of the beautiful'), uma com exemplos de atributos visuais em aves (aqui) e a outra com exemplos de atributos sonoros (aqui); recomendo ainda o visionamento duma montagem de imagens de seres marinhos (nomeadamente cefalópodes e cnidários) com música do compositor estónio Arvo Pärt (aqui).

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Bem vindos ao Metaverso – alienação 3.0

O metaverso chegou e até o Facebook já mudou de nome (mas não de ramo de negócio) para se adaptar à nova realidade... virtual (ler aqui ou aqui). Será um mundo de avatares e de aparências, pronto a consumir e a gastar dinheiro... virtual? O Second Life (ainda se lembram?) foi um mero ensaio que surgiu talvez antes do tempo, mas terá servido para treinar alguns dos aspirantes a avatares dos novos mundos virtuais. Na versão portuguesa da entrada da Wikipedia sobre metaverso pode ler-se:Acreditando que o metaverso é o futuro da internet e tecnologia, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, mudou em 2021 o nome de sua empresa para Meta Platforms Inc., ou Meta. Ele diz que a empresa irá abranger tudo o que eles acreditam, focando na construção do metaverso.Acreditar é claramente uma palavra-chave (que já fazia parte do glossário do ‘empreendedorês’). A Microsoft também não podia ficar de fora desta promissora e ‘disruptiva’ inovação tecnológica e já lançou uma parceria com a Accenture para criar escritórios virtuais – projecto Nth Floor.

No vídeo de apresentação do ‘facelift’ do FB (que alguns apelidam de manobra publicitária, por surgir convenientemente numa altura em que o nome da corporação andava nas bocas do mundo por razões menos positivas), o seu CEO surge, ele próprio com um aspecto sinistro de avatar (com um sorriso e gestos forçados de ciborgue misantrópico), a louvar as fascinantes possibilidades do admirável mundo novo virtual. Uma agência de promoção turística islandesa (Inspired by Iceland) não deixou escapar a oportunidade de parodiar aquele vídeo, lançando a sua própria versão recheada de humor escandinavo – ver aqui.

O metaverso integra-se no processo mais alargado da chamada ‘transição digital’, fortemente intensificado com a crise pandémica. Trata-se de mais uma patranha da BigTech para aumentar o seu volume de negócio e o seu poder, promovendo o ‘outsourcing’ de uma aspiração humana que durante séculos era praticada por cada pessoa através da sua própria imaginação, de meditação ou de oração. Mas as consequências mais alarmantes, para além do poder acrescido de controlo e manipulação entregue a grandes corporações, são o aprofundamento da desconexão entre os seres humanos e o mundo natural, bem como a erosão das nossas capacidades de resistir à alienação e de criar as nossas próprias realidades (ler p.ex. aqui ou aquiou ver este vídeo).

Num cândido artigo de opinião no site da SIC-N o autor escreve: “Quando pensamos nas controvérsias que envolvem hoje o Facebook, ficamos apreensivos com a ideia de que o interesse económico dos seus acionistas nem sempre estará alinhado com a utilização de todo este poder a favor do bem. Mas vamos acreditar que seremos capazes de aproveitar tudo o que esta nova internet irá potenciar e limitar os seus eventuais efeitos negativos.” Acreditar, uma vez mais. Na benevolência dum gigante da BigTech? É como acreditar no Pai Natal – ou até em Deus…

Curiosamente (ou talvez não) soube-se este ano que o mesmo FB se propõe fortalecer e alargar as parcerias com diversas igrejas, em particular com várias congregações evangélicas nos EUA (ler p.ex. aqui). Num artigo de opinião no ‘The NY Times’ (é possível ler o artigo na íntegra aqui), a sua autora escreve: “(…) after the coronavirus pandemic pushed religious groups to explore new ways to operate, Facebook sees even greater strategic opportunity to draw highly engaged users onto its platform. The company aims to become the virtual home for religious community, and wants churches, mosques, synagogues and others to embed their religious life into its platform, from hosting worship services and socializing more casually to soliciting money. (…)  The partnerships reveal how Big Tech and religion are converging far beyond simply moving services to the internet. Facebook is shaping the future of religious experience itself, as it has done for political and social life.Trata-se portanto de juntar duas abordagens à evangelização, de natureza diferente, mas alegadamente complementares e com potencial de se fortalecerem mutuamente. Num aparente deslize registado pela jornalista, um pastor de Atlanta justificou a sua parceria com o FB como tendo o objectivo de: “directly impact and help churches navigate and reach the consumer better.” “Consumer isn’t the right word,” he said, correcting himself. “Reach the parishioner better.”

A palavra metaverso foi alegadamente cunhada em 1992 pelo escritor de ficção científica Neal Stephenson na sua novela ciberpunk ‘Snow Crash’. O autor do artigo do ‘The Conversation’ citado acima alerta: “Stephenson’s original vision of the metaverse was very exciting, but also full of possibilities for both online and real world harms, from addiction, to criminality, to the erosion of democratic institutions. Interestingly, Stephenson’s metaverse was mostly owned by big corporations, with governments relegated to being largely insignificant paper-shuffling outposts. Given the current tensions between big tech and governments around the world over privacy, freedom of speech and online harms, we should seriously consider what kind of metaverse we want to create, and who gets to create, own and regulate it.

Vamos querer embarcar em mais esta sedutora aventura tecnológica acreditando na alegada benevolência das grandes corporações que a querem providenciar e vender?


Nota final: usei no título a expressão ‘alienação 3.0’ para enfatizar que já tínhamos experimentado vagas anteriores de outras formas de alienação, que vão desde as formas de escapismo mais convencionais – recorrendo p.ex. a álcool, drogas ou outros estupefacientes (1.0) -, até às ferramentas mais sofisticadas introduzidas no século XX por via de diversas tecnologias – mass media, marketing e tecnologias digitais de 1ª geração (2.0).

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Resistir à sexta-feira negra

Aproxima-se mais uma ‘Black Friday’ (BF) alimentada pela habitual propaganda agressiva e pelo vício do consumismo, que nem a pandemia atenuou - ver p. ex. meu post de 2019. Esse post inclui o link para um video que explica a origem da BF, assim como os seus impactos ambientais e sociais, propondo formas de lhe resistir. Este ano, o mesmo autor do vídeo anterior, fez um outro sobre o decrescimento como caminho alternativo para superar o consumismo - do qual depende o actual sistema capitalista, que apregoa o 'crescimento verde' como alegada solução para a sua própria insustentabilidade.


O sobreconsumo, no caso da moda ('fast fashion'), gera toneladas de roupa rejeitada - incluindo roupa usada que foi doada! - e que se acumula em países do sul global (África, Ásia e América do Sul) – ver p.ex. este vídeo. No deserto do Atacama há agora autênticos montes de roupa que não é reciclada - ver notícias recentes com imagens impressionantes aqui ou aqui, ou ainda este vídeo.


Como escrevi no post de 2019, a escolha também é nossa já que podemos sempre dizer não e aderir ao ‘Dia Mundial sem Compras’ ou ‘Buy Nothing Day’. O site Adbusters propõs este ano uma nova campanha - #TrueCost - para incluir os custos ambientais nos preços dos produtos comerciais, reorientando assim o consumo e gerando fundos que poderão depois ser redistribuídos de forma justa e democrática.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Catástrofe climática em curso - nem resignação, nem salvação!

“Each day brings a new pledge that looks like progress. But none are legally binding, few have stood up to scrutiny, and many offer so much wiggle room as to be meaningless.” Newsletter de Novembro do movimento Extinction Rebellion

Decorre até dia 12 Nov em Glasgow mais uma cimeira das Nações Unidas dedicada à crise climática (COP26, sarcasticamente apelidada de FLOP26), adiada para este ano devido à pandemia (ver p.ex. aqui ou aqui). Tendo em conta o insucesso das 25 cimeiras anteriores na mitigação daquele que é frequentemente considerado como o desafio existencial mais premente que a humanidade enfrenta, os prognósticos de analistas, jornalistas e ambientalistas para esta não foram animadores (p.ex. aqui ou aqui), apesar dos apelos dramáticos ou sensacionalistas de figuras políticas (ver p.ex. aqui ou aqui). Desde a aprovação do ‘Acordo de Paris’ em 2015, os governos dos diferentes países tentam, sem êxito, negociar as estratégias concertadas e os meios necessários para cumprir as metas de redução de emissões (ver p.ex. aqui). No entanto, como continuam a tentar fazê-lo sem mudar o paradigma económico global e sem integrar as outras dimensões interligadas da crise ecológica - a extinção de biodiversidade, a destruição de ecossistemas, a sobre-exploração de recursos, a desflorestação, a degradação e empobrecimento de solos agrícolas, etc. -, é natural que as emissões tenham continuado a aumentar, apesar de uma ligeira redução durante o ano 2020 devido às medidas de mitigação da pandemia da Covid-19 (ver p.ex. aqui). A queda momentânea das emissões durante esse ano foi aliás uma consequência das quebras na actividade económica em vários países, o que demonstra a forte correlação existente entre o volume de emissões e o tipo de actividade económica dependente do comércio internacional e da movimentação permanente de pessoas e bens (ver p.ex. aqui).
Apesar dos sucessivos relatórios e avisos de cientistas mundiais (p.ex. aqui ou aqui) ou dos protestos dos jovens e de muitos outros cidadãos (ver p.ex. aqui ou aqui), os decisores políticos - subservientes aos interesses económicos instalados - não tiveram a intenção ou a ousadia de tomar as medidas radicais e incómodas que seriam necessárias (ver p.ex. aqui ou aqui). Não admira pois que os níveis de frustração e desânimo, expressos por exemplo no tão falado fenómeno da eco-ansiedade, tenham vindo a aumentar, em particular entre as camadas mais jovens da população (ver p.ex. aqui ou aqui).
Como alegadas alternativas ao modelo dominante têm surgido propostas baseadas em estratégias radicais de conservação da natureza, mas que são acusadas de elitismo por beneficiarem os interesses instalados e desprezarem os direitos dos povos indígenas (ver p.ex. aqui). Por outro lado, temos as narrativas tecno-optimistas que propõem soluções essencialmente tecnológicas para a crise climática. Transição energética, tecnologias ‘limpas’, economia ‘verde’, ‘pactos verdes’ – são meras ilusões ou aparências de mudança pois não põem em causa a essência do sistema (em particular, o crescimento permanente, a acumulação, o extractivismo, o produtivismo ou o consumismo), nem a visão de mundo dominante (que privilegia a separação, o egoísmo, a competição, a dominação, o materialismo, o mecanicismo). Acresce que essa visão de mundo, assim como os modos de vida consumistas dos cidadãos privilegiados, principalmente do norte global, foram estimulados por décadas de propaganda pelo marketing, pelos media e pelos poderes económico e político, claramente os grandes beneficiários do ‘business as usual’. Parte desta argumentação é comum a uma tomada de posição recente da Rede para o Decrescimento – ver aqui.
Proponho duas leituras adicionais que discorrem sobre as dimensões emocionais e psicológicas das nossas atitudes perante a crise climática e ecológica (escrevi anteriormente sobre este assunto aqui). A primeira é um texto de Samuel Alexander que se interroga sobre as noções de normalidade e de sanidade numa sociedade ecocida que parece ter perdido a consciência da sua própria insanidade. Seguem alguns excertos:
If profits and economic growth are the benchmarks of success in a society, it simply may not be profitable to expose a society as insane, and even members of an insane society may sooner choose wilful blindness than look too deeply into the subconscious of their own culture.
The world we live in should not be treated as normal, and it should not be a sign of good health to become “well adjusted” to a society that is casually practising ecocide, celebrating narcissism, institutionalising racism and assessing the value of all things according to the cold logic of profit maximisation.
We must not assume behaviour that makes an individual “functional” within a sick society is sufficient evidence of their sanity. In such a society, it is okay not to feel okay, to cry and feel grief, to feel dread and alienation. In our tears, let us find solidarity, for we are not alone.
A outra leitura que recomendo é de um artigo de Deanna K. Kreisel onde a autora se interroga sobre as razões que levam algumas pessoas a adoptar estados de espírito que ela apelida de ‘fugitive melancholy’ e ‘soft negation’ como contraponto ao ‘hard denial’ dos tecno-utopistas que se refugiam nas soluções tecnológicas salvíficas. Ficam alguns excertos:
The melancholy we feel at the prospect of our own deaths is indeed a species of envy, at least of the near future: of those who will witness the outcome of current events. As we grow older we fall prey to a frustrated desire for narrative closure, knowing that we will not get to see how everything turns out. Fugitive melancholy might help us understand our mass resistance to meaningful action on climate change. Unconscious resentment at the thought of our own deaths leads to an inability to fully imagine—or care for—the world after we are gone.
Technology advocates like Elon Musk and Bill Gates, who stake our future on “green” energy and geo-engineering, seem like pie-eyed idealists chasing after a gossamer dream—and that dream is that everything essentially stay just as it is. Those who are resigned, mourning, circumspect in their expectations are the ones who advocate a radical change in how we orient ourselves both to our attenuated future and to our planetary home.
As a middle-class, middle-aged, medium-optimistic person, I personally feel like I’m caught on a sandbar between the two tides, one rushing in and one ebbing away: the Boomers who are giving up because they’ve already sucked the marrow from the planet and are tossing away the bone, the Gen Zers and younger filled with energy and rage.

sábado, 9 de outubro de 2021

Cadeia global de abastecimento de mercadorias: o elo mais fraco?

Much like we saw in the securitisation-driven mortgage market in 2008, what was once a world of overabundance could quickly turn to one of intense scarcity.Peter Atwater

“(…) the current [global supply chain] model has proven to be problematic and risk intense. Shorter supply chains will benefit the rejuvenation of local economies as they will have greater resilience and flexibility, and reduced environmental footprint.Sarah Schiffling

Foram recentemente noticiadas nalguns órgãos de informação, embora de forma discreta, as faltas de combustíveis e de alguns alimentos no Reino Unido, que já motivaram pedidos de apoio logístico ao Exército por parte do governo britânico – ver p.ex. aqui ou aqui. Segundo os comentadores citados nestas notícias, o problema deve-se à falta de trabalhadores no sector de transportes, agravada pelo Brexit e pela pandemia, mas também a picos de procura, intensificados pelo pânico induzido pelas próprias notícias. Claro que a situação já serviu de arma de arremesso político, com vários países europeus a acusarem o Reino Unido de estar a pagar o preço da sua saída da UE – ver p.ex. aqui. No entanto, esta situação não está circunscrita ao Reino Unido e acontece também noutras partes do mundo, onde se verificou a acumulação de mercadorias e de navios porta-contentores nos grandes terminais portuários da China e dos EUA, originando escassez quer de produtos em supermercados, quer de componentes electrónicos para automóveis, p.ex. nos EUA – ver aqui ou aqui. Neste último artigo do Financial Times, o autor defende que os problemas na cadeia de abastecimento global se devem aos modelos de gestão ‘just-in-time’ que foram adoptados para baixar custos (e maximizar os lucros), mas que tornaram o sistema demasiado frágil, traçando um paralelo com o papel do recurso à securitização (‘securitisation’) na crise financeira de 2008.

Noutras análises recentes o problema é atribuído às limitações na mobilidade dos trabalhadores do transporte marítimo e terrestre internacional devidas à pandemia – ver p.ex. aqui ou aqui. Várias organizações internacionais ligadas aos transportes alertaram os dirigentes mundiais para esta situação e o secretário-geral da Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (IFT), citado neste último artigo, afirmou: “The global supply chain is very fragile and depends as much on a seafarer [from the Philippines] as it does on a truck driver to deliver goods. The time has come for heads of government to respond to these workers’ needs.Trata-se portanto de um problema de logística que expõe as fragilidades do sistema capitalista global, como enfatizou António Guerreiro num artigo de opinião recente. O autor defende que a instabilidade na rede de distribuição global se deve a inovações tecnológicas e estratégias do sistema capitalista focado na maximização do lucro, tornando-a susceptível ao decrescimento demográfico e à falta de mão-de-obra provocada pelas actuais restrições à mobilidade dos trabalhadores. A fragilidade daquela rede já tinha sido evidenciada este ano quando um dos maiores navios porta-contentores do mundo (o Ever Given) encalhou e bloqueou o Canal do Suez durante quase uma semana, tendo então provocado alguns sobressaltos na cadeia de abastecimento global – ver p.ex. aqui ou aqui. Torna-se pois cada vez mais evidente a falácia da desmaterialização da economia prometida pelo capitalismo digital!

Poderá então estar iminente um colapso da cadeia de abastecimento global de mercadorias? Há quem pense que sim, como o autor do blog ‘The economic collapse’ (Michael Snyder), que escreveu vários ‘posts’ recentes sobre este assunto – ver p.ex. aqui ou aqui. Mas será só uma questão de escassez de mão-de-obra ou de má gestão do transporte global de mercadorias? Ou será que já estamos a ver os sinais daquilo que alertavam há quase 50 anos os cientistas do MIT que escreveram o ‘best-seller’ ‘The Limits to Growth’? Como referi num 'post' anterior, os autores daquele estudo foram na altura acusados de alarmismo por preverem que o sistema económico global, baseado no crescimento permanente da produção e do consumo, entraria numa fase de instabilidade ou de colapso algures no séc. XXI, se não ocorresse uma mudança de paradigma económico. Os decrescentistas também já vêm alertando há vários anos para as disfuncionalidades da rede do comércio internacional, defendendo a redução de escala e a relocalização da produção para reduzir as redes de transporte de mercadorias e estimular as economias locais, tornando-as assim mais resilientes e diminuindo os impactos ambientais. A insustentabilidade ecológica e social do sistema económico e produtivo global é aliás a crítica central dos defensores do decrescimento, que preconizam uma mudança sistémica radical para evitar o colapso societal ou minimizar os seus danos. Algo que os poderes instalados querem evitar a todo o custo. Como afirma António Guerreiro: “Decrescimento, seja ele em que domínio for, é o que o capitalismo global não consegue incorporar.

P.S. Descobri mais recentemente (Dez 2021) um post do autor britânico Paul Kignsnorth que partilha a minha tese de que as actuais quebras na cadeia de abastecimento global são sintomas do colapso do sistema económico previstos pelos autores de 'The limits to growth', evocando um conto de E.M. Forster intitulado 'The Machine Stops' escrito em 1909.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A verdade da mentira: as narrativas mediáticas sobre o Afeganistão

Vinte anos depois do 11 de Setembro, a humilhação americana prova que uma invasão militar e uma guerra para impor o “nosso modo de vida” acabou a fortalecer os fundamentalistas. Que a Administração americana tenha sido apanhada de surpresa é um atestado de ignorância relativamente ao terreno que ocuparam durante 20 anos. Ana Sá Lopes

The vast majority of the money the US spent on that country in the subsequent 20 years was to pay for the bombs they dropped on it. The money spent on building the place up was tiny in comparison. And much of it was lost to corruption. Juan Cole

America’s corporate media are ringing with recriminations over the humiliating U.S. military defeat in Afghanistan. But very little of the criticism goes to the root of the problem, which was the original decision to militarily invade and occupy Afghanistan in the first place. Medea Benjamin and Nicolas J.S. Davies

A retirada americana do Afeganistão em Agosto, depois de 20 anos de ocupação militar, teve cobertura mediática global e foi inicialmente noticiada como uma humilhação para os EUA, com inevitáveis comparações com a retirada desastrosa do Vietnam em 1975 (ver p.ex. aqui ou aqui). Segundo a primeira notícia, “Depois de biliões de dólares e mais de 2 mil mortos entre os soldados norte-americanos, bem como as mortes de dezenas de milhares de civis afegãos, Biden considerou que os Estados Unidos tinham poucas hipóteses de transformar uma nação em grande parte tribal e subdesenvolvida.” O presidente terá afirmado: “A ideia de podermos usar as nossas forças armadas para resolver todos os problemas internos que existem no mundo não está dentro das nossas capacidades”. Depois de décadas em que esse tem sido o pretexto usado pelos EUA para justificar a sua política externa militarista e imperialista, aquela afirmação é no mínimo hipócrita. Biden terá ainda deixado a pergunta: “A questão é a seguinte: está em jogo o interesse vital da América ou o interesse próprio de um dos nossos aliados?”. No editorial de Ana Sá Lopes, a autora apelida de patética a afirmação de ‘missão cumprida’ por parte do secretário de Estado americano, Antony Blinken, lembrando que o presidente afegão fugiu do país um dia após o presidente Biden o ter instado a governá-lo.

Mas muito rapidamente a narrativa mediática mudou o seu foco para a tomada de Kabul pelos Taliban, para as imagens do aparente desespero de milhares de afegãos a tentarem fugir da capital e para a instauração de uma nova cruzada fundamentalista pelas forças que tomaram o poder, em particular contra as mulheres. A campanha de demonização da nova tomada do poder pelos Taliban pelos media foi denunciada por Patrick Martin, num artigo de opinião onde escreve: “all of the tropes employed by the corporate media to ‘sell’ to world public opinion the invasion and occupation of Afghanistan in 2001, no matter how moth-eaten and worn out, are being revived. This serves two purposes: to paper over the war crimes carried out by the US in the past and to prepare public opinion for an intensification of imperialist pressure on the war-ravaged population.”

Esta aparente tentativa de desviar a atenção da incapacidade (ou incompetência) dos militares americanos em cumprirem de facto a sua missão e de branquear a destruição e sofrimento que causaram naquele território com o pretexto da alegada 'Guerra ao Terror', não impediu que vários artigos denunciassem a corrupção interna que deu milhões de dólares dos contribuintes americanos a ganhar ao denominado complexo militar-industrial, que inclui as diversas empresas de armamento e de material militar – ver artigos de Juan Cole, de Chris Hedges e de Medea Benjamin & Nicolas J.S. Davies. Neste último artigo, os autores denunciam também as tentativas de silenciar as vozes que, durante anos, reclamaram a paz e a retirada das tropas americanas do Afeganistão. A hipocrisia dos aliados europeus, que apoiaram activamente a 'Guerra ao Terror', também não passou desapercebida – ver p.ex. aqui ou aqui –, mas o mais chocante foram os anos sucessivos de mentiras do próprio governo americano sobre a ocupação do Afeganistão, ecoadas pelos media dominantes, denunciados p.ex. num artigo recente do jornalista Glenn Greenwald.

As tentativas de abafar ou censurar as opiniões que criticam ou condenam a actuação das sucessivas Administrações norte-americanas tiveram um novo episódio com o anúncio recente da prisão preventiva de um oficial dos fuzileiros navais (U.S. Marine Lt Col Stuart Scheller) por ter publicado vídeos seus no Facebook onde faz afirmações alegadamente danosas para as chefias militares sobre a retirada do Afeganistão – ver p.ex aqui. Esta notícia serve de mote a um vídeo recente do comediante britânico Russell Brand, onde denuncia as reiteradas tentativas dos poderes instalados de silenciar quem os põe em causa, dando também como exemplo o caso de Julian Assange, acossado há anos pelas autoridades norte-americanas, recordando um seu depoimento sobre as verdadeiras motivações da ocupação americana do Afeganistão: alimentar os empreiteiros militares e os senhores da guerra com milhões de dólares do erário público.

domingo, 8 de agosto de 2021

A civilização industrial à beira do colapso

A civilização industrial planetáriaviciada no crescimento económico permanente, encontra-se perante um colapso iminente, tal como foi previsto há quase 50 anos no livro 'The limits to growth' (1972) em que um grupo de investigadores do MIT aplicou um modelo computacional para calcular a evolução de parâmetros-chave socio-económicos baseado em diferentes cenários societais. Os alertas para os sinais do colapso têm sido lançados recentemente por diferentes grupos de cientistas - ver p.ex. aqui ou aqui -, mas a acção política limita-se a tentar manter o sistema a funcionar à custa de tecnologias supostamente salvíficas, mas que apenas adiam o inevitável - a necessidade de uma mudança societal e cultural profunda (ver p.ex. aqui ou aqui). 

O modelo usado pelos investigadores do MIT foi agora testado com os dados dos últimos anos e as suas previsões menos optimistas - criticadas na altura como catastrofistas - estavam (infelizmente) correctas, como os decrescentistas vêm aliás alertando há vários anos (ver p.ex. aqui ou aqui). O novo estudo foi realizado em 2020 por Gaya Herrington (directora de 'Sustainability and Dynamic System Analysis' da multinacional KPMG nos EUA) e foi agora noticiado pela revista Vice num artigo do jornalista Nafeez Ahmed (Jul 2021): ver aqui.

Excertos: A remarkable new study by a director at one of the largest accounting firms in the world has found that a famous, decades-old warning from MIT about the risk of industrial civilization collapsing appears to be accurate based on new empirical data. As the world looks forward to a rebound in economic growth following the devastation wrought by the pandemic, the research raises urgent questions about the risks of attempting to simply return to the pre-pandemic ‘normal.’ (…)  The study represents the first time a top analyst working within a mainstream global corporate entity has taken the ‘limits to growth’ model seriously.

Segundo a autora daquele estudo mais recente ainda há esperança de evitar os cenários mais catastróficos - mas a janela de oportunidade está prestes a fechar-se e as escolhas políticas dos últimos anos estão muito longe de nos conduzir a uma verdadeira sustentabilidade.

(The Course of Empire - Destruction, Thomas Cole, 1836)


sábado, 7 de agosto de 2021

A pandemia como pretexto para impor um apartheid sanitário


(cartoon de Brian Wang, respigado daqui)
Aviso prévio: este é um post sem 'paninhos quentes' ou 'papas na língua'.

A pandemia está a ser usada como pretexto para diabolizar ou ostracizar os 'impuros' e 'egoistas' não-vacinados pelo (pretenso) moralismo de um novo fascismo sanitário, imposto através dos chamados 'passaportes sanitários' ou 'certificados de vacinação' - ver p.ex. aqui ou aqui. Trata-se de um mecanismo reconhecido pela psicologia e usado recorrentemente por sistemas hegemónicos ou totalitários que é brilhantemente desmascarado em mais um lúcido exercício de pensamento crítico do autor norte-americano Charles Eisenstein'Mob morality and the unvaxxed' (Ago 2021) -, cuja leitura recomendo e do qual seleccionei alguns excertos:

(…) defying left-right categorization is a promising new scapegoat class, the heretics of our time: the anti-vaxxers. As a readily identifiable subpopulation, they are ideal candidates for scapegoating. It matters little whether any of these pose a real threat to society. As with the subjects of criminal justice, their guilt is irrelevant to the project of restoring order through blood sacrifice (or expulsion from the community by incarceration or, in more tepid but possibly prefigurative form, through “canceling”). All that is necessary is that the dehumanized class arouse the blind indignation and rage necessary to incite a paroxysm of unifying violence. More relevant to current times, this primal mob energy can be harnessed toward fascistic political ends. Totalitarians right and left invoke it directly when they speak of purges, ethnic cleansing, racial purity, and traitors in our midst. Sacrificial subjects carry an association of pollution or contagion; their removal thus cleanses society.

(…) To prepare someone for removal as the repository of all that is evil, it helps to heap upon them every imaginable calumny. Thus we hear in mainstream publications that anti-vaxxers not only are killing people, but are raging narcissists, white supremacists, vile, spreaders of Russian disinformation, and tantamount to domestic terrorists. These accusations are amplified by cherry-picking a few examples, choosing hysterical-looking photos of anti-vaxxers, and showcasing their most dubious arguments.

(…) The mechanisms that generate the illusion of unanimity operate within science, medicine, and journalism as well as among the general public. Some conform enthusiastically to the orthodoxy; others complain in whispers to sympathetic colleagues. Those who voice dissent publicly become radioactive. The consequences of their apostasy (excommunication from funding, ridicule in the media, shunning by colleagues who must “distance themselves,” etc.) serve to silence other potential dissidents, who prudently keep their views to themselves.

(…) Many if not most people get the vaccine in an altruistic civic spirit, not because they personally fear getting Covid, but because they believe they are contributing to herd immunity and protecting others. By extension, those who refuse the vaccine are shirking their civic duty; hence the epithets “filth” and “assholes.” They become the identifiable representatives of social decay, ready for surgical removal from the body politic like cancer cells all conveniently located in the same tumor.

(…) The fear operating in the ostracism of the unvaxxed is mostly not fear of disease, though disease may be its proxy. The main fear, old as humanity, is of a social contagion. It is fear of association with the outcasts, coded as moral indignation.

(…) The science on the issue [of vaccine safety and efficacy] is so clouded by financial incentives and systemic bias that it is impossible to rely on it to light a way through the murk. The system of research and public health suppresses generic medicines and nutritional therapies that have been demonstrated to greatly reduce Covid symptoms and mortality, leaving vaccines as the only choice. It also fails to adequately investigate numerous plausible mechanisms for serious long-term harm. Of course, plausible does not mean certain: at this point no one knows, or indeed can know, what the long-term effects will be. My point, however, is not that the anti-vaxxers are right and being unjustly persecuted. It is that their persecution enacts a pattern that has little to do with whether they are right or wrong, innocent or guilty. The unreliability of the science underscores that point, and suggests that we take a hard look at the deadly social impulses that the science cloaks.

(…) The foregoing analysis is not meant to invalidate other explanations for Covid conformity: the influence of Big Pharma on research, the media, and government; reigning medical paradigms that see health as a matter of winning a war on germs; a general social climate of fear, obsession with safety, the phobia and denial of death; and, perhaps most importantly, the long disempowerment of individuals to manage their own health.

(…) Whether the totalitarian program is premeditated or opportunistic, deliberate or emergent, the question remains: How does a small elite move the great mass of humanity? They do it by aggravating and exploiting deep psycho-social patterns such as the Girardian [ref.ª às teses do filósofo René Girard sobre o sacrifício social de ‘bodes expiatórios’]. Fascists have always done that. We normally attribute pogroms and genocide to racist ideology, the classic example being antisemitic fascism. From the Girardian perspective it is more the other way around. The ideology is secondary: a creation and a tool of impending violent unanimity. It creates its necessary conditions. The same might be said of slavery. It was not that Europeans thought Africans were inferior and so thus enslaved them. It was that thinking them inferior was required in order to enslave them.

(…) The us of fascism requires a them. The civic-minded moral majority participates willingly, assured that it is for the greater good. Something must be done. The doubters go along too, for their own safety. No wonder today’s authoritarian institutions know, as if instinctively, to whip up hysteria toward the newly minted class of deplorables, the anti-vaxxers and unvaccinated. (…) The campaign against the unvaccinated, garbed in the white lab coat of Science, munitioned with biased data, and waving the pennant of altruism, channels a brutal, ancient impulse.

(…) I don’t want to reduce our current acceleration toward techno-totalitarianism and a biosecurity state by just one psycho-social explanation, however deep. Yet it is important to recognize the Girardian pattern, so we know what we are dealing with, so that we can creatively expand our resistance beyond futile debate over the issues – and most importantly, so we can identify its operation within ourselves. Any movement that leverages contempt in its rhetoric fits the Girardian impulse. Elements of scapegoating such as dehumanization, rumor-mongering, stereotyping, punishment-as-justice, and mob mentality are alive within dissident communities as they are in the mainstream. Any who ride those powers to victory will create a new tyranny no better than the previous.

Aproveito para declarar que não me vacinei e não tenciono vacinar-me, apesar de toda a chantagem mediática, social e psicológica à minha volta. Tal como o autor do artigo que partilhei, não sou 'anti-vaxxer' e reconheço a validade e utilidade de diversas vacinas. No entanto, considero que a natureza desta doença não justifica a campanha de vacinação planetária e recuso-me a ceder ao clima de terror e à propaganda que estão a ser lançados sobre as pessoas a reboque desta pandemia - ofuscando outras abordagens à sua mitigação, censurando qualquer posição não conforme à narrativa oficial e causando danos psicológicos e sociais tremendos e potencialmente irreversívies. Oponho-me igualmente à imposição de passaportes ou certificados para aceder a serviços, equipamentos ou eventos. Nalguns países onde foram instituídas este tipo de restrições, como a França ou a Itália, têm ocorrido protestos contra aquelas medidas discriminatórias - ver p.ex. aqui ou aqui


P.S. Vale também a pena ler os dois posts anteriores da mesma série (inspirada no pensamento do filósofo René Girard):
P.P.S. Um outro artigo de análise que também defende que os não-vacinados são os 'bodes expiatórios' da narrativa dominante do fascismo sanitário foi escrito por Connor Kelly em Julho (como segmento final de um artigo mais longo em três partes) - excerto:
(...) The unvaccinated are the ‘natural’ scapegoat for this crisis for both the state, and for large sections of the public. Not because they represent physical danger, nor because they are ‘variant factories’ but because they didn’t get with the programme. (The dehumanisation has already begun with such terminology as variant factories!) The truth is that there are millions of unvaccinated people who are healthy, normal people... The existence of healthy unvaccinated people is an affront to the new regime – an impermissible transgression. Their existence, and their defiant posture seems to make a mockery of all that people have suffered through. They remind us that the madness of the last year and a half was based on so many lies, on manufactured fear, on psychological abuse. If society is populated with healthy, normal unvaccinated people then the public might begin to question what the last year and a half was all for. And that would mean deeply questioning themselves, their narratives, their own desires and the nature of the society they inhabit – a traumatic event.