terça-feira, 30 de abril de 2019

Um documentário contra o esquecimento

Esta é uma recomendação cinematográfica: 'O silêncio dos outros' (El silencio de otros) dos realizadores Almudena Carracedo e Robert Bahar (co-produzido por Pedro Almodóvar), em exibição no Cinema Ideal.
Um documentário a não perder sobre as vítimas do franquismo na vizinha Espanha e o processo judicial internacional (por intermédio da Argentina) para tentar julgar os carrascos que ficaram impunes devido à vergonhosa Lei da Amnistia (também conhecida por 'pacto do esquecimento', aprovada por todos os partidos nas Cortes em 1977).
Os realizadores dão-nos uma visão parcial mas muito tocante da dimensão das atrocidades da história recente do país vizinho, através dos dramas pessoais vividos por quem perdeu os seus familiares ou filhos (casos dos bebés sequestrados). É chocante perceber como países ditos democráticos tentam branquear a sua história e apagar a memória com o pretexto de não fomentar o rancor e o ressentimento. Como se pode ter paz num país que é conivente com a injustiça?
Fez-me lembrar os documentários de Patrizio Guzmán 'Nostalgia de la luz' e 'El boton de nacar' sobre as atrocidades da ditadura chilena de Pinochet.
Deixo links para alguns artigos sobre o tema e sobre o documentário:
https://www.dn.pt/cultura/interior/documentario-a-ferida-aberta-do-franquismo-numa-espanha-democratica-10836285.html
https://www.jn.pt/mundo/interior/franquismo-ainda-divide-a-espanha-1543263.html
https://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/11/espanha-defende-bprescricaob-dos-crimes-da-ditadura-franquista.html
E ainda links para dois artigos sobre a aprovação recente da mudança de nomes de praças e ruas em Madrid relacionados com a ditadura franquista (mencionada no documentário):
https://www.efe.com/efe/portugal/sociedade/madrid-aprova-mudan-a-de-nomes-30-ruas-ligadas-era-franco/50000442-2796631

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Dia da Terra e a maior crise existencial de sempre

Assinala-se hoje (22 Abr) o Dia da Terra. Mas o momento que vivemos colectivamente não inspira grandes celebrações dado o estado calamitoso do clima, da biodiversidade e dos ecossistemas*. Que o digam os activistas do movimento 'Extinction Rebellion' (XR) que protagonizaram em Londres, noutras cidades britânicas e em vários pontos do globo uma semana de acções não-violentas ('International Rebellion' 15-21 Abr) que pretenderam chamar a atenção para a catástrofe ambiental iminente e para a necessidade de evitar o fatalismo e de agir. Seguem links para algumas notícias nacionais e internacionais que demonstram o impacto positivo daquelas acções:
https://www.publico.pt/2019/04/16/p3/noticia/rebeliao-saiu-rua-extincao-planeta-nao-opcao-1869387
https://www.theguardian.com/environment/extinction-rebellion
https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/apr/21/observer-view-on-climate-change-protesters-their-voice-must-be-heard
https://www.dw.com/en/climate-protests-extinction-rebellion-gets-creative/g-48423433

A crise climática e os protestos recentes que têm surgido (XR e greves estudantis) têm desencadeado opiniões variadas que vão do apoio moderado (Viriato Soromenho-Marques) ao aplauso entusiasta (George Monbiot) e do optimismo (Jeremy Lent) à crítica aberta (Andre Spicer).

A jovem activista Greta Thunberg, por seu lado, continua imparável: passou recentemente por Roma onde se juntou à greve estudantil local e foi encorajada pelo Papa Francisco, fez mais uma intervenção pungente e emocionada na comissão de ambiente do Parlamento Europeu e ainda esteve presente em Londres no último dia da semana de acção XR.


A BBC, que tem sido alvo de críticas por parte do movimento XR por não incluir a crise climática como prioridade nas suas emissões, exibiu na quinta-feira passada (18 Abr) um documentário apresentado por David Attenborough dedicado ao tema, que deu protagonismo à jovem activista sueca e às acções do movimento XR - 'Climate Change - The Facts':
https://www.bbc.com/news/av/uk-47972979/sir-david-attenborough-presents-climate-change-the-facts
https://www.theguardian.com/tv-and-radio/2019/apr/18/climate-change-the-facts-review-our-greatest-threat-laid-bare-david-attenborough


Fotos: topo, Lola Perrin (site do XR: https://rebellion.earth/); doc BBC (site BBC: https://www.bbc.co.uk/programmes/m00049b1)

* Entre outros relatórios recentes, destaco o relatório 'European State of the Climate 2018' (Copernicus Climate Change Service), assim como o último relatório da Agência Internacional de Energia ('Global Energy & CO2 Status Report') que, apesar de estar conotada com a indústria, apresenta dados que comprovam o aumento continuado das emissões de GEE já evidenciado noutros documentos que mencionei anteriormente: Relatório IPCC (Out 2018), Emissions Gap Report ONU (Nov 2018).

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Decrescimento: rejeitar o consumismo e o materialismo...

...para recuperar o bem-estar duradouro e a sustentabilidade.

[Nota: Versão editada de
post publicado no G+ a 11 Set 2018]


Segundo os proponentes do Decrescimento, as modernas sociedades industriais e mercantis estão apoiadas em quatro pilares principais: a acessibilidade (até agora...) de fontes de energia abundantes e de extracção pouco custosa (combustíveis fósseis); a disponibilidade de crédito (concedido por instituições financeiras) que permite o acesso a bens, quer essenciais, quer supérfluos; a obsolescência programada que garante a efemeridade dos bens de consumo produzidos industrialmente; e a propaganda (publicidade/marketing) que instiga o desejo de consumo, transformando os cidadãos em consumidores compulsivos. O objectivo deste modelo é o famigerado 'crescimento económico' (medido por um parâmetro reconhecidamente distorcido como o PIB), que deveria conduzir ao bem-estar colectivo. Acontece que o resultado é bem diverso, patente nas actuais crises social e ambiental sem precedentes - só não vê quem não quer ver (ou tem muito a perder). E os impactos psicológicos são igualmente evidentes, em particular nos países ditos desenvolvidos. Como bem sabemos, o consumo compulsivo e a acumulação de bens materiais não trazem a felicidade.

Recomendo a leitura de escritos de três autores/pensadores contemporâneos que, 
tal como os decrescentistas, fazem uma crítica feroz às modernas sociedades industriais e produtivistas, viciadas no consumo e no desperdício, e que defendem uma desintoxicação das suas populações privilegiadas.

Um é o cineasta e pensador italiano Pier Paolo Pasolini, que muitos conhecem pelos seus filmes polémicos mas menos pelas suas ideias desafiadoras e verdadeiramente revolucionárias - na euforia dos anos 70 eram poucos os que se atreviam a criticar o consumismo nascente. Partilho dois artigos sobre os seus escritos onde sobressaem as suas críticas ao capitalismo e à sociedade de consumo:
'La verdad a cualquier precio', A. Muñoz Molina (sobre trad ES de ‘Vulgar lengua’):
"Pasolini se dio cuenta antes que nadie de la devastación espiritual que la economía de consumo masivo podría traer consigo."
Tradução da carta de Pasolini a I. Calvino: ‘Mesquinhez da história e imensidão do mundo camponês’.

O outro autor é o jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet de quem partilho o texto 'Adeus ao consumismo?' (tradução brasileira) onde ele dá vários exemplos de pessoas que iniciaram verdadeiros processos de desintoxicação e que mostram que é possível atingir um outro nível de consciência. Excertos:

"O consumismo é consumir consumo. É uma atitude impulsiva onde não importa o que é comprado, a questão é comprar. Na realidade, vivemos na sociedade do desperdício, desperdiçamos absurdamente. Ante essa aberração, o minimalismo de consumo é um movimento mundial que propõe comprar somente o necessário. (…) A sociedade de consumo (...) associada ao capitalismo predatório, é sinônimo de desperdício e esbanjamento irresponsável. Os objetos desnecessários nos asfixiam. E asfixiam o planeta. É algo que o planeta já não pode suportar. Porque os recursos se esgotam. E se contaminam. Inclusive aqueles que existem em abundância (ar, água doce, oceanos…). E frente à cegueira de muitos governos, é chegada a hora de uma ação coletiva dos cidadãos, a favor de um desconsumo radical."

Finalmente o livre-pensador Ivan Illich, crítico das sociedades industriais e mercantis e fonte de inspiração para o Decrescimento. No seu ensaio 'O desemprego útil e os seus inimigos profissionais' (1977) faz uma análise do modelo social do ocidente que, ao promover a profissionalização de quase todas as actividades humanas e a criação de necessidades supérfluas, gerou uma 'pobreza modernizada' inibitória da cidadania e da emancipação. O autor define esta nova forma de pobreza como uma condição do moderno crescimento económico, em que os cidadãos se tornam inúteis a não ser que exerçam uma profissão ou disponham de poder de compra (capacidade de consumo). Illich defende uma "abordagem totalmente nova da inter-relação entre necessidades e satisfações", permitindo "às pessoas moldar e satisfazer uma proporção cada vez maior das suas necessidades de forma directa e pessoal" e promovendo uma "austeridade convivial" que inspire a sociedade "a proteger o valor de uso contra o enriquecimento que incapacita". Este ensaio integra a colectânea 'Para uma história das necessidades', publicada pelas Edições Sempre-em-pé em 2018:
https://www.academia.edu/35846713/Ivan_ILLICH_PARA_UMA_HIST%C3%93RIA_DAS_NECESSIDADES._Ed._Sempre-em-P%C3%A9._2018
https://sustainabilitypopulareducation.wordpress.com/2014/06/28/the-right-to-useful-unemployment/
https://www.workingnowandthen.com/scholarstudent/reviews/ivan-illich-the-right-to-useful-unemployment/

Nota final: O cartoon do início do post foi respigado de polyp.org.uk e o que se encontra abaixo é da autoria do artista romeno Dan Perjovschi.



Decrescimento ou barbárie

[Nota: Versão editada de post publicado no G+ a 12 Set 2018]
A palavra ‘decrescimento’ é utilizada e defendida há já algumas décadas por vários pensadores e académicos (principalmente das áreas da ecologia política e da economia ecológica), mas também por numerosos activistas, como uma crítica radical à ideologia do crescimento (económico) e à economia de mercado globalizada, que conduziram às actuais sociedades do consumo e do desperdício. A palavra gera desconforto e perplexidade e é exactamente por isso que é usada - para provocar questionamento e debate em relação à hegemonia da palavra ‘crescimento’, usada e abusada para justificar todo o tipo de barbaridades sociais e ambientais. E também porque é uma palavra que dificilmente pode ser distorcida ou apropriada (ao contrário, por exemplo, da palavra sustentabilidade que tem sido usada para validar políticas supostamente reformistas mas que são meras estratégias cosméticas para manter o actual paradigma económico).
A este propósito recomendo o visionamento deste vídeo curto que explica a razão da escolha daquela palavra pelos decrescentistas:
http://www.youtube.com/watch?v=kWEBVdxppGs (5 min, francês c/ leg. PT)
O problema do crescimento é, por um lado, a narrativa dominante (e intoxicante) que o conotou com as noções (equivocadas ou desvirtuadas) de desenvolvimento, progresso e bem-estar e, por outro lado, a questão dos limites físicos/ambientais, que o actual sistema quer fazer crer que não existem. Recordo a este respeito uma citação famosa do biológo Paul Ehrlich: “Perpetual growth is the creed of the cancer cell” (O crescimento perpétuo é o credo da célula cancerosa). A questão é que já ultrapassámos (refiro-me naturalmente aos países ditos ‘desenvolvidos’) vários limites ecológicos, algo que já se sabe há várias décadas - leia-se p.ex. o famoso relatório do Clube de Roma ‘The limits to growth’ publicado pela 1ª vez em 1972 ou as suas actualizações posteriores, ou o mais recente ‘World scientists’ warning to humanity’ (2017). No entanto, os poderes político e económico (apoiados pelos media ‘mainstream’) têm feito todos os esforços por menosprezar ou escamotear estas evidências.
Infelizmente, temos andado a viver acima das nossas possibilidades (mais uma vez, apenas uma parte privilegiada da humanidade), mas ficámos viciados num sistema que está a conduzir à rotura social e ecológica, comportando-nos como verdadeiros toxicodependentes que não querem aceitar a sua condição. E estamos claramente a precisar de uma cura de desintoxicação.
Por isso, o decrescimento é um caminho necessário para evitarmos uma catástrofe ainda maior. Mas não se trata forçosamente de um caminho de sofrimento ou de retrocesso, mas sim uma recuperação de valores ligados à frugalidade, à simplicidade e à convivialidade, que podem fomentar modos de vida mais plenos, satisfatórios e sustentáveis. Recordo que vários pensadores, como Ivan Illich ou Gandhi, ou líderes religiosos, como o Papa Francisco, têm feito apelo a estes outros modos de vida.
Embora a palavra decrescimento possa provocar uma rejeição por muitas pessoas que só lhe atribuem conotações negativas, creio que existe a possibilidade de um debate racional para tentar convencê-las do contrário. A irracionalidade e emotividade exageradas têm vindo aliás a contaminar o debate público, que tende a ficar pela superficialidade, o imediatismo ou o radicalismo, que impedem qualquer possibilidade de construção de uma sociedade plural, cordial e fraterna.
Este foi um dos temas abordados nos encontros promovidos pela Rede para o Decrecimento que aconteceram nos dias 14 e 15 Set de 2018 em Lisboa: https://www.facebook.com/events/256874924959338/ 
Finalmente, convém realçar que o decrescimento não subscreve incondicionalmente as soluções equivocadas ou insuficientes como o desenvolvimento sustentável, o capitalismo verde, a transição energética ou a redistribuição de rendimentos, algumas delas defendidas por largos sectores da esquerda (que rejeitam aliás algumas das ideias-base do decrescimento), porque não põem em causa nem o produtivismo ou o extractivismo do modelo industrial, nem o mercado ‘livre’ globalizado, nem o consumismo ou o desperdício.
Aproveito para destacar mais um artigo recente sobre o decrescimento, desta feita publicado no Jornal Mapa (mais um exemplo de bom jornalismo alternativo e independente), que resume muito bem algumas das questões que abordei e divulga a intenção de criar um rede nacional sobre o tema (que foi apresentada também nos encontros de Lisboa):
http://www.jornalmapa.pt/2018/09/10/decrescimento-escolha-ou-inevitabilidade/


Outros artigos/posts sobre Decrescimento (em português):
http://novas.gal/redes-decrescentistas/
https://pt.slideshare.net/jorgemoreira54966/decrescimento-crescer-no-essencial-jorge-moreira-revista-o-instalador-270
http://transicaodisrupcao2021.blogs.sapo.pt/decrescimento-e-rendimento-basico-24759
http://sustentabilidadenaoepalavraeaccao.blogspot.pt/2017/11/o-decrescimento.html
https://outraspalavras.net/sem-categoria/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/

terça-feira, 9 de abril de 2019

Ambientalistas inconvenientes

Tenho estado a (re)publicar aqui os meus escritos do Google+, que encerrou definitivamente no início deste mês. Comecei por seleccionar textos relacionados com as questões ambientais, em especial sobre a crise climática. Faço uma nova pausa para comentar a recente passagem de Al Gore pelo Porto para participar na conferência ‘Climate Change Leadership’, promovida pelo CEO da Taylor’s (Adrian Bridge) e dirigida aos empresários da indústria vinícola (no ano passado o convidado mediático tinha sido Barack Obama). O impulso para escrever este ‘post’ veio do comentário que ouvi na Antena 2 pela boca da socióloga Luísa Schmidt, na sua rubrica ‘Conta satélite’, em que teceu rasgados elogios à prestação de Gore naquela conferência e ao seu papel de divulgador do tema das alterações climáticas e defensor dos valores ambientais. Antes de prosseguir e para que cada um(a) possa tirar as suas próprias conclusões, partilho ligações para a intervenção de Gore e para notícias sobre a sua prestação:
A sua intervenção oscilou entre o tom cordato e elogioso em relação aos anfitriões lusos e aos esforços nacionais e empresariais na mitigação das AC (materializados no chamado ‘Porto Protocol’), até a um registo teatral exageradamente enfático, num crescendo de dramatismo quase patético, que usou para confessar a sua frustração perante as consequências dramáticas da ineficácia da acção política (ou da falta dela) que vão do aumento das emissões de GEE à crise dos refugiados. Diria que a forma e conteúdo da alocução de Gore foram no mínimo deslocados perante uma plateia de empresários bem instalados na vida (os bilhetes para o evento custavam 270€), para os quais as palavras de Gore e o seu registo dramático devem ter tido um efeito meramente caricato e inofensivo. Opinião diferente teve Luísa Schmidt que apelidou as mensagens de Gore de profundas, exactas e auspiciosas… Mais incomodado fiquei com a sua comparação dos alertas de Gore e dos seus apelos à consciência ambiental com os que o Papa Francisco fez na encíclica ‘LaudatoSi’. Pareceu-me uma comparação descabida e injusta pois, ao contrário do Papa, Gore não se atreve a pôr em causa o sistema económico e político que estão na origem dos graves problemas ambientais. Já Francisco, embora nunca usando as palavras capitalismo ou neoliberalismo, estabelece uma ligação clara entre a crise ecológica, a crise social e o modelo de desenvolvimento globalizado de base tecnocrática, criticando a ‘dívida ecológica’ do Norte em relação ao Sul global e o consumismo compulsivo estimulado pelo poder económico e apadrinhado pelo poder político, bem como os chamados ‘mitos da modernidade’ como o individualismo, o crescimento ilimitado, a competição desenfreada e as leis do mercado sem regras*.
Não ponho em causa o papel que o ex-vice-presidente dos EUA teve na chamada de atenção internacional para o problema das alterações climáticas, em particular a partir do lançamento do famoso documentário ‘An inconvenient truth’ e do respectivo livro em 2006, nem a sua notável perseverança e optimismo. Contudo, a par do seu activismo ambiental, Gore tem mantido ligações com o mundo empresarial e financeiro (também na área das energias renováveis), para além de ser um entusiasta das soluções tecnológicas para a crise climática e para a transição energética, e um crente nas virtudes do sistema democrático e na racionalidade da sociedade ocidental. O seu mais recente envolvimento na iniciativa ‘ClimateReality Project’ tornou ainda mais evidente a sua promoção do chamado ‘capitalismo verde’ ou ‘capitalismo sustentável’. De facto, Gore nunca escondeu a sua convicção de que a resolução da crise climática pode ser conseguida dentro do modelo capitalista e de economia de mercado, como se comprova nesta entrevista ao ‘site’ norte-americano Vox: https://www.vox.com/energy-and-environment/2017/8/11/15943200/al-gore-still-has-faith.
Este seu posicionamento reformista e moderado tem motivado algumas críticas que vão do tom mais cordato (https://www.mnn.com/earth-matters/climate-weather/blogs/is-al-gores-climate-reality-project-a-new-direction-or-more-of-t) ao mais radical (https://climateandcapitalism.com/2017/08/02/al-gores-convenient-infomercial-for-green-capitalism/). Este último artigo faz uma análise crítica da sequela de 2017 do seu famoso documentário (‘An Inconvenient Sequel: Truth to Power’), destacando em particular a imodéstia de Gore ao enfatizar o seu próprio papel no êxito da COP21 e na assinatura do famoso mas pouco eficaz ‘Acordo de Paris’.
Desconfio que tanto Gore como Schmidt partilham de uma mesma crença na possibilidade de mitigação da crise climática e ambiental através de reformas do sistema socio-económico, de soluções tecnológicas para a transição energética e para captura de carbono, de soluções jurídicas e fiscais para a redução de emissões, e de uma consciencialização ética do mundo empresarial, mas sem mudanças drásticas de paradigma ou de modo de vida. Desconfio também que se trata aqui de não querer pôr em causa um sistema em que assentam os seus próprios valores, as instituições das quais dependem e o estilo de vida que levam. Esta postura contrasta com a de diversos activistas que consideram impossível a resolução da crise ecológica global no seio do sistema capitalista (p.ex. Naomi Klein ou Hervé Kempf) ou que, pelo menos, consideram que o sistema político foi capturado pelo sistema económico global plutocrático, produtivista e extractivista (p.ex. os movimentos de contestação ‘Fridays for Future’ ou ‘Extinction Rebellion’).

* Excertos de ‘Laudato Si’: (#56) “os poderes económicos continuam a justificar o sistema mundial actual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente.”; (#109) “O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia real.” (#194) “Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso.” (#195) “O princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceptual da economia…”