“(…) embora o termo Doença X represente uma futura emergência sanitária desconhecida, tornou-se também um catalisador para uma visão particular da resposta sanitária dominada pelo poder empresarial, tecnológico e estatal.” Kevin Bardosh
“Creio que estamos empenhados em cometer suicídio: suicídio intelectual, suicídio moral e suicídio físico. Se há algo tão importante como impedir-nos de envenenar os nossos mares e destruir as nossas florestas, é impedir-nos de envenenar as nossas mentes e destruir as nossas almas.” Iain McGilchrist
Na última semana e graças em parte a um painel promovido pelo fórum anual de Davos do WEF (World Economic Forum) dedicado ao tema (ver aqui ou aqui), a Doença X voltou a atrair a atenção dos media – e, inevitavelmente, das redes sociais e plataformas digitais. O nome foi cunhado pela OMS em 2017 ou 2018 (conforme as fontes) para designar uma eventual doença futura provocada por um vírus desconhecido de elevada transmissibilidade e letalidade (existe uma lista de candidatos que vão do Ébola ao Zika, mas não está excluída a hipótese de um vírus criado laboratorialmente), capaz de desencadear uma grande epidemia ou uma pandemia (ver aqui ou aqui). Há quem defenda que a Covid foi na verdade a primeira Doença X, enquanto outros dizem que foi apenas um ‘ensaio geral’. A notícia desencadeou reacções muito diversas e acalorados debates devido, por um lado, às mensagens mais alarmistas sobre a iminência e perigosidade da doença e, por outro, às alegadas tentativas das autoridades sanitárias e políticas globais de tirarem partido desta eventual ameaça para impor medidas restritivas e autoritárias aos seus cidadãos, a cobro de estarem apenas a garantir uma maior eficácia na mitigação de uma futura emergência sanitária (ver p.ex. aqui ou aqui). Claro que estas últimas foram imediatamente rotuladas de teorias de conspiração da (extrema) direita (ver p.ex. aqui). Apesar da grande preocupação com a desinformação (um dos riscos globais mais graves para 2024, segundo o próprio WEF – ver aqui) reiterada pelo director da OMS naquela sessão em Davos (ver p.ex. aqui), a mensagem transmitida pela própria OMS de que a Doença X pode causar 20 vezes mais mortes do que a Covid parece-me claramente alarmista e infundada, dado que se desconhece a identidade do seu agente por tratar-se de uma doença alegadamente desconhecida (pormenor que o Bartoon do Público não deixou passar - aqui).
O Fórum de Davos deste ano teve como lema ‘Reconstruir a confiança’ (ver aqui ou aqui); mas será que as elites políticas e corporativas que se juntam naquela estância alpina conseguem transmitir essa confiança ou estão ali de facto para promover a sua agenda não-democrática e para conferir a si próprias a pretensão de estarem a contribuir para resolver os reais problemas do mundo? Creio que a resposta é evidente e já tinha escrito anteriormente (aqui) sobre o facto das cimeiras de Davos (e o próprio WEF) serem meros instrumentos de ostentação e de auto-satisfação dos ‘donos dito tudo’, contando com a submissão acrítica dos media internacionais dominantes, onde as elites que as frequentam zelam pelos seus próprios interesses – e não estou sozinho na minha asserção (ver p.ex. aqui ou aqui)*.
Em relação à sessão sobre a Doença X em Davos, assim como exercícios de preparação para a mitigação de futuras pandemias, como o ‘Catastrophic Contagion’ de 2022, as alegações de boas intenções e de benevolência por parte dos seus promotores são pouco convincentes. A principal razão para a desconfiança instalada resulta, quanto a mim, do facto de muitas recriminações ou dúvidas legítimas em relação à resposta à pandemia da Covid não terem sido sequer abordadas naqueles eventos, nomeadamente questões como a origem do vírus, a imposição de confinamentos e certificados ou passaportes sanitários, a falta de transparência e de honestidade nas escolha das medidas de mitigação, a censura e demonização de todos os que questionaram as narrativas oficiais, etc. Uma outra questão crucial que não é devidamente discutida prende-se com a necessidade de regulamentação ou eventual interdição de investigação laboratorial de ganho-de-função em vírus patogénicos de potencial pandémico, que é justificada como via necessária para a prevenção ou mitigação de futuras pandemias (ver p.ex. aqui ou aqui). Por outro lado, as conclusões quanto às estratégias a adoptar são demasiado vagas ou tendem a privilegiar abordagens centralizadoras, como o chamado ‘Tratado Pandémico’ promovido pela OMS, que tem gerado muitas reservas e resistências (ver aqui ou aqui).
No entanto, e ao contrário do grande alarido e discussões acesas em volta dos perigos da próxima pandemia e da ‘agenda globalista’, o meu diagnóstico é diferente. A verdadeira Doença X é para mim uma pandemia, não viral mas memética (disseminada através de memes), que já está instalada globalmente há vários anos, disseminada pelos media dominantes globais, e cujos principais sintomas são: uma ansiedade generalizada em relação ao futuro, uma balcanização fraturante da opinião pública mundial em torno de temas muito variados - geopolítica, políticas nacionais, alterações climáticas, questões de género, a pandemia, etc. – e uma anestesia, desempoderamento e despolitização de muitos cidadãos. Mais profundamente, creio que os sintomas da verdadeira Doença X são na verdade o corolário de uma forma perniciosa de ver e de estar no mundo: uma psicose colectiva, cultural e espiritual, caracterizada pela ganância, insaciabilidade, egocentrismo, negação, ausência de empatia e arrogância, cujas raízes se estendem ao expansionismo europeu iniciado no séc. XVI, que se caracterizou pela dominação, expropriação e dizimação de povos e territórios, e que pode ser descrita invocando o conceito nativo-americano de ‘wetiko’/‘windigo’ – escrevi sobre o tema aqui. Lamentavelmente, as controvérsias em volta da Doença X e da preparação (ou falta dela) para uma próxima pandemia acabam por ofuscar a crise existencial mais grave e mais profunda que não estamos sequer a discutir no espaço público.
* As declarações de Jan Aart Scholte (professor da Univ. de Leiden) sobre o fórum de Davos citadas no artigo da Al Jazeera são bem elucidativas: “One could have posed matters in a more challenging manner: for example, in terms of building peace rather than achieving security; debating the concept of growth rather than taking its desirability for granted; looking beyond climate policy to larger debates about the ecological viability of the prevailing world order. (…) The WEF and other multi-stakeholder endeavours have democratic deficits when the people that they affect do not have adequate opportunities to participate in and control their processes. It is an exclusive invitation-only club, and meaningful participation is mainly limited to the world’s more powerful governments, corporations, and civil society actors. Moreover, when excluded people disagree with or feel harmed by WEF activities, they generally lack adequate channels to be heard and pursue redress.”
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