sexta-feira, 26 de julho de 2019

‘Shopping resort’ - um novo conceito da sociedade do hiperconsumo


Tornou-se quase um cliché falar da ‘sociedade do consumo’, como se a sua normalização nos tivesse deixado conformados perante uma realidade maior do que nós, da qual devemos usufruir ou à qual nos devemos adaptar. As insistentes narrativas mediáticas e a omnipresença da publicidade e do marketing ajudaram a consumar a aceitação social daquela criação da sociedade do crescimento e da (aparente) abundância. O problema é que nos confrontamos agora com as terríveis consequências sociais e ambientais do modelo económico insustentável que está na base das actuais sociedades mercantis, materialistas, individualistas e consumistas. Vem isto a propósito de um novo conceito de experiência consumista - o ‘shopping resort’ - desenvolvido como ‘upgrade’ do símbolo mais marcante da sociedade do consumo nos meios urbanos: o centro comercial. De facto, um dos mega-centros comerciais dos subúrbios da cidade de Lisboa (Dolce Vita Tejo, vendido sucessivamente a diversos fundos de investimento internacionais) sofreu obras de remodelação, que envolveram uma mudança de conceito e de nome (Ubbo, inspirado no nome fenício da cidade de Lisboa!), acompanhados de uma forte campanha de marketing e diversas ‘notícias’ nos media:

Do nome do conceito (‘shopping resort’), ao lema (‘Unidos pela diversão’) e às imagens que acompanham a campanha publicitária (algumas com um visual quase religioso – ver imagem no final do post), tudo se conjuga para projectar as imagens do prazer e do entretenimento que caracterizam as estratégias publicitárias de sedução, mas que são aqui ligadas à oferta de serviços que não estavam habitualmente associados às superfícies comerciais – como parques infantis temáticos ou a instalação de um hospital privado com ligação ao centro comercial. O espaço mais emblemático será uma praça central coberta - com o nome ‘The Hood’(!) - que reunirá espaços para famílias e palcos para espectáculos. Segundo as palavras de um dos artigos citados, o Ubbo pretende ser “um pólo regional de comércio, entretenimento e serviços (…) que reúne emoções e experiências e que responde às novas exigências dos consumidores, juntando o lazer, a cultura e atividades ao ar livre [?!] à experiência de compra.” Trata-se de confinar num mesmo espaço uma variedade de serviços prontos a consumir, limitando assim ainda mais aos cidadãos-consumidores (em particular a classe média-baixa periférica que foi afastada ou não tem lugar nas zonas gentrificadas do centro da cidade) o contacto com espaços públicos naturais e com o comércio local. Eis-nos perante a experiência consumista e hedonista radical para as massas, que poderá reduzir a sua vida cultural e política a mínimos históricos. Mais preocupante é a quantidade e diversidade de oferta de actividades para crianças que são assim aprisionadas na máquina consumista e em ambientes artificiais desde a mais tenra idade, com o conluio ou a conivência dos adultos.

terça-feira, 2 de julho de 2019

Não há planeta B, mas há plano B: decrescer!

Esta frase foi retirada de um artigo de fundo publicado a semana passada (27 Jun) no semanário regional Jornal de Leiria e que tem por tema o decrescimento como proposta de compatibilização do bem-estar social e económico com a sustentabilidade ambiental e a justiça social e intergeracional: https://www.jornaldeleiria.pt/noticia/ambiente-vs-economia-um-beco-sem-saida-10402
O artigo, escrito pelo jornalista Cláudio Garcia, dá exemplos de iniciativas locais (região de Leiria) que, mesmo não assumindo esse rótulo, promovem práticas decrescentistas: auto-suficiência, frugalidade, redução do consumo e do desperdício, minimalismo, consumo consciente e sustentável, práticas agrícolas regenerativas. Complementa-as com as posições e propostas de membros da Rede para o Decrescimento e com o depoimento de uma investigadora universitária  em políticas decrescentistas (que também integra aquela Rede) e que estudou várias iniciativas e projectos nacionais afins do decrescimento. O artigo dá uma visão global acertada e equilibrada do Decrescimento, alertando para a necessidade de complementar as iniciativas individuais com propostas colectivas e institucionais coerentes. No entanto, nem sempre reproduz correctamente algumas das ideias-chave dos decrescentistas - o decrescimento não propõe, por exemplo, um "regresso às origens através do emagrecimento da economia", mas sim resgatar o verdadeiro significado da palavra economia através de abordagens (usando p.ex. indicadores como o Índice de Progresso Genuíno ou a Felicidade Interna Bruta, para substituir o PIB) e práticas que a compatibilizem com a ecologia (e com a justiça social). Essas práticas implicarão necessariamente uma redução da produção e do consumo para níveis sustentáveis, mas tirarão partido dos recursos, competências, práticas e tecnologias mais adequados, disponíveis em cada território.
Uma leitura que recomendo e que mostra como as propostas do decrescimento começam a fazer cada vez mais sentido numa sociedade que se aproxima perigosamente da rotura ambiental, social, cultural e psicológica, mas onde o discurso político e mediático dominante teima em não enfrentar a realidade.
(ver também os meus posts anteriores com a etiqueta 'Decrescimento')