Na sequência do post anterior, debruço-me mais uma vez sobre a nossa percepção do mundo-mais-do-que-humano onde estamos inseridos, em particular uma das suas componentes mais diversa e omnipresente: as plantas. Se o nosso contacto e conhecimento das outras espécies animais se tem vindo a perder, nomeadamente para os habitantes dos meios urbanos, o afastamento e desconhecimento em relação às plantas tende a ser ainda maior – apesar de quase toda gente apreciar um passeio num jardim ou num bosque – e é agravado pelo reduzido destaque que lhes é dado nos media e nas escolas. Aquele desconhecimento ou mesmo desinteresse têm vindo a ser reconhecidos e até já lhes foi dada uma designação: ‘plant blindness’, que se pode traduzir por cegueira botânica ou indiferença às plantas – ver p.ex. aqui ou aqui. Esta situação tem diversas causas, que vão desde um instinto inato em dar mais atenção aos animais por serem organismos vivos com os quais temos maior afinidade ou a desconsiderarmos as plantas por serem hierarquicamente inferiores (zoocentrismo), até a factores culturais, como a falta de contacto e conhecimento directo das plantas ou a prevalência de ideias distorcidas sobre a sua utilidade (ver p.ex. aqui). As consequências são igualmente diversas, incluindo a incapacidade de reconhecer as diferentes espécies vegetais ou de as reduzir a categorias genéricas como ‘arvoredo’, ‘mato’ ou ‘erva’, mas também a negligência mais profunda que está na base da perda de biodiversidade e da destruição de ecossistemas, em particular, a desflorestação (ver p.ex. aqui).
Embora muitas pessoas reconheçam a importância das plantas pela sua utilidade para os próprios seres humanos - como fonte de alimento, de fibras ou de fármacos, pelo seu contributo para a depuração do ar ou da água e para a criação de solos férteis, e, mais recentemente, por serem um importante veiculo de sequestração de CO2 -, alguns grupos vegetais são desconsiderados ou mesmo eliminados activamente por serem vistos como prejudiciais – em particular, as espécies invasoras (com boas razões) ou as chamadas ‘ervas daninhas’ (nem tanto). No caso destas últimas, há uma vez mais uma distorção em relação à sua relevância, pois é bem sabido que as plantas espontâneas, que surgem quer nos campos, quer nas cidades, têm papéis muito importantes na regeneração dos solos e na criação de condições adequadas para outras plantas ou de alimento para animais, em particular, os insectos. Algumas espontâneas são até comestíveis e outras têm propriedades medicinais (ver p.ex. aqui) – dou aqui apenas um exemplo, cujo nome vulgar faz juz às suas propriedades: amor-de-hortelão.
Faço notar que existem aliás diversas iniciativas para preservar ou
até incentivar as plantas espontâneas, quer a nível nacional (ver p.ex. aqui
ou aqui),
quer internacional (p.ex. aqui). Lamentavelmente, há muitas autarquias que não aderem a estas boas práticas e continuam a dizimar as plantas dos passeios, dos baldios ou das bermas, usando roçadoras ou herbicidas. Em compensação, surgiram nos últimos anos iniciativas de botânicos ou de cidadãos entusiastas
que se dedicam a identificar e assinalar nos pavimentos de vilas e cidades aquelas
plantas, num movimento que se tornou viral nalgumas localidades
europeias, tomando diversas designações: ‘Sauvages de ma rue’, ‘More
than weeds’, ‘Rebel botanists’ – ver aqui,
aqui,
aqui
ou aqui.
Há um grupo particular de plantas espontâneas que surgem em ambientes urbanos ou antropizados (modificados por acção humana), cuja designação revela mais uma vez o desprezo a que são votadas – as plantas ruderais. Estas plantas são comuns, por exemplo, em terrenos abandonados designados por baldios - uma outra palavra cuja conotação negativa impede leituras mais positivas desses territórios (ver p.ex. aqul). Um dos vídeos do projecto ‘Segredos da natureza’ – um ‘microsite’ criado para a Culturgest pela historiadora portuguesa Teresa Castro – é dedicado às plantas ruderais (ver aqui). Talvez o seu visionamento faça algumas pessoas mudar de opinião sobre estas plantas pioneiras. Basta aliás um olhar mais atento e uma sensibilidade mais apurada para encontrá-las pelas ruas da cidade e quiçá tomar-lhes o gosto e apreciar o seu encanto singelo (ver p.ex. aqui ou aqui).
As imagens deste post foram respigadas durantes as deambulações e os pousios na zona oriental de Lisboa com @s fiador@s do c.e.m-centro em movimento, entre Abril e Junho de 2020 - práticas documentadas aqui.
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