"A verdade chegou sob a forma de calor, fumo e fogo. Mesmo assim, algumas pessoas escolheram ignorá-la." (Brigid Delaney)
"O facto mais inquietante das imagens dos incêndios não é a sugestão dum eventual fim do mundo, mas um aviso de como o mundo irá continuar." (Mark O'Connell)
(imagem respigada da edição online do 'The Guardian') |
O título deste post foi respigado de um artigo de Eric Byler para o 'The Intercept', onde o autor faz um relato em primeira mão dos incêndios no sudeste australiano. Naquele artigo Byler descreve as atribulações da sua família durante a passagem de ano 2019-2020 numa estância de veraneio na 'Saphire Coast' em 'New South Wales'. Aquilo que seriam umas férias pacatas à beira-mar transformaram-se numa experiência de sobrevivência perante a ameaça dos fogos à segurança da sua própria família, onde o fumo domina a narrativa dos acontecimentos. Num vídeo que acompanha o artigo, o 'espectáculo' das chamas dos incêndios cruza-se com o dos fogos de artíficio em Sydney no ecran de TV na noite de fim-de-ano.
Num outro artigo de Dezembro de 2019 no 'The Guardian', a jornalista Brigid Delaney relata a sua experiência de dissonância cognitiva durante um evento social de prova de vinhos numa baía de Sydney sufocada pelo fumo dos incêndios. A autora faz um balanço de 2019 que descreve como o ano em que a 'bomba da verdade' sobre a catástrofe climática e ambiental foi lançada sobre a humanidade, gerando um pavor tal que levou muitas pessoas a ignorarem os sintomas ou a entrarem em negação. Delaney evoca o escritor Scott Fitzgerald que foi exímio na descrição das festas decadentes que pressagiam os colapsos societais.
Num terceiro artigo mais recente do mesmo jornal britânico, Mark O'Connell descreve como os relatos e reportagens sobre os incêndios são um sinal inequívoco de que já passámos do tempo das ameaças mais ou menos longinquas ou abstractas sobre a crise climática para uma catástrofe em curso, onde as previsões científicas se converteram em percepções quotidianas. No entanto, o autor alerta para o efeito entorpecedor da avalanche noticiosa que ameaça esvaziar as nossas imaginações morais e impossibilitar o nosso empenho na procura urgente de soluções para uma situação de apocalipse iminente. Já aqui referi anteriormente o perigo da normalização ou banalização da catástrofe, que o líder indígena Ailton Krenak apelidou de 'ecologia do desastre'.
Deixo para fechar uma ligação para uma curta animação - "Tomorrow's on fire" - do australiano Darcy Prendergast que ilustra a leitura (por uma criança de 8 anos) de um poema seu*, onde tenta transmitir os sentimentos suscitados pelas consequências devastadoras dos incêndios e pelas reacções dos políticos do seu país (ver p.ex. aqui). As penúltimas estrofes exortam à acção e à esperança, que residem claramente na tomada de consciência e na mobilização dos cidadãos, pois os supostos governantes e líderes mundiais respondem a interesses que não são os da maioria dos restantes seres humanos (e não humanos), nem os da manutenção e celebração da vida (ver p.ex. aqui). Como escrevi em 2018: onde há vida, há esperança!
*Texto original:
I’m
angered, incensed, enraged and fed up.
With
you lazy, ignorant fossil fool chumps
You’ve
sold out our nation, and served up division
Whilst
it’s grief stricken people, scream at deaf politicians
On
our future you wager, without heed nor concern
Just
misinformation, while our backyards burn
And
it’s not just the humans— our animals fry
While
you coal hearted arsonists, continue to thrive.
You
elected officials hold aloft lumps of coal,
With
the pride of an Olympian, who’s just won gold
From
up high on ye’ podium, you silence dissenters
What
we’ve come to expect, from you bald one percenters
You
should be disgraced, and thrown headfirst from office.
Do
not pass go, do not stock mining coffers.
Instead
you drive narratives, of left vs right,
Whilst
you all fear, what the middle just might.
So
rally together, love strong and rage stronger
So
that life on this planet, can last some time longer.
Tomorrow’s
on fire, and the sky it bleeds crimson.
So
it’s about time, we made our tax dollars listen.