“(…) the current [global supply chain] model has
proven to be problematic and risk intense. Shorter supply chains will benefit
the rejuvenation of local economies as they will have greater resilience and
flexibility, and reduced environmental footprint.” Sarah Schiffling
Foram recentemente noticiadas nalguns órgãos de informação, embora de forma discreta, as faltas de combustíveis e de alguns alimentos no Reino Unido, que já motivaram pedidos de apoio logístico ao Exército por parte do governo britânico – ver p.ex. aqui ou aqui. Segundo os comentadores citados nestas notícias, o problema deve-se à falta de trabalhadores no sector de transportes, agravada pelo Brexit e pela pandemia, mas também a picos de procura, intensificados pelo pânico induzido pelas próprias notícias. Claro que a situação já serviu de arma de arremesso político, com vários países europeus a acusarem o Reino Unido de estar a pagar o preço da sua saída da UE – ver p.ex. aqui. No entanto, esta situação não está circunscrita ao Reino Unido e acontece também noutras partes do mundo, onde se verificou a acumulação de mercadorias e de navios porta-contentores nos grandes terminais portuários da China e dos EUA, originando escassez quer de produtos em supermercados, quer de componentes electrónicos para automóveis, p.ex. nos EUA – ver aqui ou aqui. Neste último artigo do Financial Times, o autor defende que os problemas na cadeia de abastecimento global se devem aos modelos de gestão ‘just-in-time’ que foram adoptados para baixar custos (e maximizar os lucros), mas que tornaram o sistema demasiado frágil, traçando um paralelo com o papel do recurso à securitização (‘securitisation’) na crise financeira de 2008.
Noutras análises recentes o problema é atribuído às limitações na mobilidade dos trabalhadores do transporte marítimo e terrestre internacional devidas à pandemia – ver p.ex. aqui ou aqui. Várias organizações internacionais ligadas aos transportes alertaram os dirigentes mundiais para esta situação e o secretário-geral da Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (IFT), citado neste último artigo, afirmou: “The global supply chain is very fragile and depends as much on a seafarer [from the Philippines] as it does on a truck driver to deliver goods. The time has come for heads of government to respond to these workers’ needs.” Trata-se portanto de um problema de logística que expõe as fragilidades do sistema capitalista global, como enfatizou António Guerreiro num artigo de opinião recente. O autor defende que a instabilidade na rede de distribuição global se deve a inovações tecnológicas e estratégias do sistema capitalista focado na maximização do lucro, tornando-a susceptível ao decrescimento demográfico e à falta de mão-de-obra provocada pelas actuais restrições à mobilidade dos trabalhadores. A fragilidade daquela rede já tinha sido evidenciada este ano quando um dos maiores navios porta-contentores do mundo (o Ever Given) encalhou e bloqueou o Canal do Suez durante quase uma semana, tendo então provocado alguns sobressaltos na cadeia de abastecimento global – ver p.ex. aqui ou aqui. Torna-se pois cada vez mais evidente a falácia da desmaterialização da economia prometida pelo capitalismo digital!
Poderá então estar iminente um colapso da cadeia de abastecimento global de mercadorias? Há quem pense que sim, como o autor do blog ‘The economic collapse’ (Michael Snyder), que escreveu vários ‘posts’ recentes sobre este assunto – ver p.ex. aqui ou aqui. Mas será só uma questão de escassez de mão-de-obra ou de má gestão do transporte global de mercadorias? Ou será que já estamos a ver os sinais daquilo que alertavam há quase 50 anos os cientistas do MIT que escreveram o ‘best-seller’ ‘The Limits to Growth’? Como referi num 'post' anterior, os autores daquele estudo foram na altura acusados de alarmismo por preverem que o sistema económico global, baseado no crescimento permanente da produção e do consumo, entraria numa fase de instabilidade ou de colapso algures no séc. XXI, se não ocorresse uma mudança de paradigma económico. Os decrescentistas também já vêm alertando há vários anos para as disfuncionalidades da rede do comércio internacional, defendendo a redução de escala e a relocalização da produção para reduzir as redes de transporte de mercadorias e estimular as economias locais, tornando-as assim mais resilientes e diminuindo os impactos ambientais. A insustentabilidade ecológica e social do sistema económico e produtivo global é aliás a crítica central dos defensores do decrescimento, que preconizam uma mudança sistémica radical para evitar o colapso societal ou minimizar os seus danos. Algo que os poderes instalados querem evitar a todo o custo. Como afirma António Guerreiro: “Decrescimento, seja ele em que domínio for, é o que o capitalismo global não consegue incorporar.”